Defensoria Pública celebra o Dia Mundial de Conscientização do Autismo com roda de conversa e exposição de arte de artistas com TEA
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Celebrado no dia 2 de abril, o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, contou com uma programação inclusiva e repleta de relatos emocionantes na Defensoria Pública. Por meio da sua Escola Superior (Esdep) e da Coordenadoria Estratégica de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência (CEPIPED), a DPMG promoveu na manhã desta segunda-feira (7/4) o evento “Autismo em Cena: Direito, Arte e Diversidade”.
O evento teve como objetivo sensibilizar a sociedade sobre a inclusão e os direitos das pessoas com autismo, além de destacar a expressão artística como uma ferramenta de comunicação e representatividade.
A ação é fruto de parceria com a Galeria Aut e tem como objetivo não só exibir as obras, mas também ampliar o debate sobre a importância da inclusão e dos direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). O trabalho da Galeria se alinha ao da Defensoria Pública na garantia e promoção da cidadania e justiça social.
O evento contou com a presença e fala do defensor público e coordenador da CEPIPED, Luís Renato Braga Arêas Pinheiro, da fundadora da Galeria Aut, Meiry Geraldo, e dos artistas autores das obras expostas.
Compromisso com a inclusão
Em um gesto que marca não apenas o calendário, mas também um compromisso com a inclusão e a valorização da neurodiversidade, a instituição decidiu este ano inovar na forma de celebrar o “Abril Azul”.
“Estamos, este ano, fazendo algo um pouco diferente dos outros anos. Abril é o mês da conscientização mundial do autismo, e nós trouxemos a Galeria Aut, que atua com pessoas com autismo que são artistas — desde pinturas, desenhos até outras habilidades — para realizar essa exposição,” afirma o defensor público Luís Renato.

A programação não se limitou apenas ao momento do evento, durante a semana, as obras permanecerão expostas, de 8h às 17h, no foyer da Unidade 1 (2° andar) da DPMG em Belo Horizonte, permitindo ao público um mergulho sensível e estético no universo criativo de artistas neurodivergentes. O momento foi marcado por debates e trocas de experiências.

“Tivemos uma roda de conversa, em que os artistas falaram um pouco sobre a atuação deles, as obras e a experiência de vida enquanto autistas,” disse o defensor.
Ele finaliza destacando as obras de arte dos artistas presentes na exposição. “As obras expostas aqui, assim como as produções científicas, literárias e cinematográficas, mostram que são pessoas com uma potencialidade gigantesca, que se destacam no mercado de trabalho por aquilo que fazem.
Galeria Aut: uma iniciativa que surgiu pelo amor e força de uma descoberta silenciosa
Meiry Geraldo, fundadora da Galeria Aut, compartilhou que a iniciativa surgiu a partir de uma surpresa: o seu filho, mesmo sem se comunicar verbalmente, começou a se expressar por meio de imagens.

“Ele tem autismo severo, não verbal, nível 3 de suporte. Não falava, não se expressava. De repente, aprendeu a tirar fotos e a filmar — e eu achei aquilo o máximo. Uma pessoa que não conseguia se comunicar começou a mostrar o que gostava, o que via. Era algo extraordinário,” relembra.
Foi esse momento que acendeu a faísca da Galeria Aut, um espaço virtual criado para valorizar e divulgar a arte produzida por pessoas autistas.
“Hoje, vejo que a Galeria é um espaço dedicado a promover a arte de pessoas com autismo. Ela ajuda esses artistas a se expressarem, a mostrarem ao mundo o quanto podem dizer — mesmo sem palavras. A arte se torna comunicação para eles,” explica.
Segundo Meiry, a Galeria atua justamente em duas das maiores barreiras enfrentadas por pessoas com autismo: a comunicação e a interação social.
“A Galeria contempla os dois. A comunicação acontece por meio da arte. E a interação social, através das ações que realizamos — como esta, por exemplo, de reunir artistas e o público em um mesmo espaço.”
Além das exposições
A proposta da Galeria vai além de exposições. Ela realiza encontros, concursos artísticos e musicais, apresentações, lives com artistas e familiares, e promove rodas de conversa para fortalecer a comunidade e ampliar a visibilidade do autismo.
“Nosso espaço é esse: valorizar a arte deles, levantar sua autoestima e mostrar ao mundo que eles fazem parte dele, que podem conquistar tudo o que quiserem — e a arte é um dos caminhos para isso.”
Apesar de ser sediada em Minas Gerais, a Galeria é acessível a artistas de todas as regiões do Brasil e até de outros países, graças ao seu formato virtual.
“A Galeria abrange o Brasil inteiro, inclusive o exterior. Para este evento, trouxemos artistas de Belo Horizonte, por questões logísticas, mas o nosso alcance vai muito além. Temos artistas de todo o país e de fora também,” afirma.
Irmãos artistas
Entre os nomes presentes na exposição está a família Mamedes: Carolina Mamedes, de 32 anos, Gabriel Mamedes, de 31 anos e Ismael Mamedes, de 28 anos, irmãos que impressionam pelo talento e originalidade.
“Eles fazem suas obras com giz de cera e estão criando ao vivo hoje. A Carolina costuma retratar mulheres negras muito enfeitadas, porque ouviu na escola quando pequena a história das escravas e quis valorizá-las. O Ismael pinta budas, deuses, personagens místicos. Já o Gabriel tem um estilo mais linear, com personagens que ele chama de ‘tortos’, remetendo a algo meio Picasso — não chega a ser cubismo, mas tem essa energia. Todos são autodidatas.”

Lucinete Cássia, mãe dos irmãos relata que há três décadas, em um tempo em que pouco se falava sobre autismo, ela enfrentou dificuldades para compreender os sinais apresentados pelos filhos e ainda mais resistência para obter um diagnóstico claro. “Os médicos diziam que era só uma fase, que ia passar”, relembra.
Foi apenas quando as crianças começaram a frequentar a escola que as dificuldades se intensificaram. Eles não conseguiam acompanhar as aulas e eram constantemente mal compreendidos. “Tomavam bomba, depois passavam. Mas eu era chamada na escola quase todo dia, porque eles não conseguiam ficar na sala de aula.”
O acolhimento veio de uma psicóloga da escola, que encaminhou a família para uma avaliação na UFMG. Lá, um professor identificou os sinais de autismo e, mais do que isso, enxergou nas crianças um talento especial para a arte. “Na hora, eles imitaram o professor, repetiram o que ele disse, e eu percebi que algo diferente estava acontecendo.”
A partir daquele momento, Lucinete passou a construir, com dedicação e sensibilidade, um novo caminho. Em vez de tentar encaixar os filhos em padrões, ela decidiu entrar no mundo deles. “Eles não vinham para o meu mundo. Então eu fui para o deles. Comecei a observar, a entender o que gostavam, como se comunicavam.”

Foi na arte que encontrou um canal de conexão com os filhos. “Desenhar era onde eles se sentiam seguros, era onde falavam comigo sem palavras. Era o silêncio mais expressivo que já vi.”
Com o tempo, o talento dos filhos chamou atenção. Participaram de oficinas, exposições e conquistaram respeito no meio artístico. “Ninguém fazia igual. Quando percebi isso, comecei a levar os desenhos para serem avaliados. E o retorno foi imediato: eles tinham um dom.”
Lucinete reforça que o que sustentou essa trajetória foi o amor. “O autismo exige sensibilidade. Ensinei cada pequeno passo com paciência, respeitando o tempo deles, sem forçar. O que transformou tudo foi o afeto, o cuidado diário e a escuta verdadeira.” E completa: “Hoje meus filhos são reconhecidos pela arte. São artistas. E o autismo nunca limitou isso. Pelo contrário, foi por meio dele que eles se expressaram com tanta potência.”
Palestrante da sabedoria
Outro destaque é Samuel, de apenas 10 anos, que se define como “palestrante da sabedoria, pintor das emoções, músico da alegria e escritor da mente.” Com três livros publicados, o jovem já participou da Bienal de São Paulo, onde foi premiado.
“Ele é maravilhoso,” resume Meiry, com orgulho.

Apesar da pouca idade, Samuel Vitor carrega a sabedoria, a sensibilidade e a criatividade de quem já entendeu que é possível transformar o mundo — começando por si mesmo.
Autista, ele encontrou na arte uma forma de expressão: escreve livros e poemas, pinta quadros, compõe músicas e fala, com maturidade, sobre temas como inclusão, ansiedade e a importância do respeito às diferenças.
“Eu gosto de escrever livros, pintar quadros, escrever poemas, criar músicas ou até tocar músicas que já existem. Faço várias outras coisas também,” conta, com um brilho nos olhos de quem vive cercado por possibilidades.
“Nos meus livros, falo sobre as dificuldades que tenho com o autismo: a ansiedade seletiva, a seletividade alimentar, o sentimento de ser diferente e a dificuldade de fazer amigos,” explica.
Samuel valoriza os lugares que, de fato, pensam em inclusão, mas segundo o artista, “a inclusão vai além”.
“Eu gosto quando respeitam as diferenças. A diferença mesmo. Tem lugar que tem rampa para cadeirantes, banheiro adaptado, sinal sonoro mais baixo para quem tem sensibilidade auditiva. Isso é bom. Mas acho que não precisa ter inclusão só nos lugares. Precisa ter inclusão nas pessoas também,” afirma.
O artista se apresenta de forma autêntica, como se fosse um personagem criado para si mesmo. “Sou o pintor das emoções, poeta do coração, escritor da mente, músico da felicidade, lutador de histórias e palestrante da sabedoria.”
E o Samuel não para por aí. Já garantiu que ao final do mês vem mais uma novidade: o seu quarto livro. “No final desse mês, vou lançar meu próximo livro. Fala sobre fazer diferença na vida das pessoas”.
Enfermeira de profissão, artista por amor
Também presente na exposição, Patrícia Assis encanta com suas aquarelas delicadas e cheias de afeto. Meiry destaca o amor transmitido pela artista através das pinceladas.
“A arte dela transmite muito amor, muita coisa positiva. Ela retrata muitos animais e elementos da natureza com uma sensibilidade impressionante”.

“Fui convidada para entrar na Galeria com as minhas obras de arte. Sou enfermeira, mas me encontrei de verdade na arte, profissionalmente falando,” revela Patrícia.
A artista conta que a jornada artística teve início como uma forma de lidar com as dificuldades de interação social e encontrar um espaço de acolhimento.
“A arte surgiu como uma forma de me aproximar das pessoas. Sempre tive muita dificuldade em me relacionar, e encontrei na arte um caminho que me traz muita luz,” afirma.
“E o que é mais bonito nisso tudo é ver o olhar do outro, aquele brilho de alegria quando recebe a sua arte, o seu trabalho. É a maior forma de agradecimento: o sorriso que eu encontro no olhar do outro.”
Patrícia começou a desenhar durante a pandemia, um período que, para ela, foi de redescoberta e aprendizado.
“Eu fui um dia de cada vez. Aprendi a não me cobrar tanto, a não exigir perfeição. Aprendi a valorizar o que eu faço. Hoje, não é mais sobre um dia de cada vez. É sobre um momento de cada vez,” diz.
“Cada obra é feita com muito amor, com muito carinho, pensando nas pessoas que eu amo. São pessoas que conhecem o valor do respeito, do amor, da inclusão e da informação.”

“O mais especial é quando a pessoa recebe o desenho. A sensação que elas têm é de acolhimento, como se estivessem mantendo viva a saudade daquele bichinho. E isso me deixa feliz, porque além de ser meu trabalho, é também minha realização profissional,” emociona-se.
“Vai muito além de uma entrega. É uma realização pessoal, sim. Profissional, também. É um sentimento que me diz: continua tua caminhada, é por aí.”
Galeria Aut
Hoje, a Galeria Aut reúne mais de 300 artistas autistas. A exposição na DPMG apresenta obras de 43 deles — um deles de Portugal, e os demais de diversas regiões do Brasil.
Por fim, Meiry finaliza sua fala enfatizando o principal objetivo da Galeria.
“Essa é a força da Galeria: dar visibilidade a quem, por tanto tempo, foi invisibilizado. Nossa missão é mostrar que eles estão aqui, fazem parte do mundo e têm muito a dizer,” conclui Meire.
“Sigam a Galeria Aut, apoiem nosso trabalho. Este ano, completamos 11 anos de história — e estamos só começando”, finalizou.
Clique aqui para assistir à palestra na íntegra.
Mateus Felipe – Jornalista/DPMG.