Em recomendação encaminhada ao Poder Executivo, Defensoria Pública ressaltou que a proposta previa normas violadoras do dever estatal de combate à discriminação
Seguindo a recomendação da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), a Prefeitura de Betim vetou totalmente o Projeto de Lei nº 229/2023, aprovado pela Câmara Municipal e que proibia a participação de crianças e adolescentes em eventos LGBTQIA+ – expressamente a Parada do Orgulho LGBTQIA+.
O veto do prefeito foi publicado no Diário Oficial de Betim na quinta-feira (27/07), com base na análise técnica da Procuradoria-Geral do Município, que considerou a proposta inconstitucional por apresentar vícios.
Recomendação
No dia 13 de julho, a DPMG, por meio das Coordenadorias Estratégicas em Tutela Coletiva (CETUC) e de Defesa e Promoção dos Direitos das Crianças e Adolescentes (CEDEDICA), encaminhou recomendação à Prefeitura de Betim para que o Projeto de Lei não fosse sancionado.
O documento defende que a proposta normativa aprovada pelo Legislativo Municipal de Betim padece de inconstitucionalidade formal, em razão de vício de iniciativa e por ofensa à separação dos Poderes, bem como por vício de competência, uma vez que a matéria é da esfera de regulamentação pelos Estados e pela União.
Além disso, a Recomendação destaca diversos vícios de inconstitucionalidade material do Projeto, em razão da ofensa à dignidade da pessoa humana, inobservância do dever estatal de combate à discriminação, bem como por violação aos direitos das crianças e adolescentes à liberdade e à convivência comunitária.
De acordo com o defensor público Paulo César Azevedo de Almeida, coordenador Estratégico em Tutela Coletiva e um dos autores da Recomendação, o veto pelo Poder Executivo local reforça a necessidade de construção de uma política pública pautada no respeito às diferenças e no combate à discriminação. “Além disso, a Defensoria Pública entende que a participação de crianças e adolescentes em eventos dessa natureza não representam violações aos seus direitos. Muito pelo contrário. A presença desses grupos em manifestações sociais é de grande relevância para a formação de cidadãs e cidadãos preparados para o convívio pacífico e respeitoso em uma sociedade plural”, ressaltou.
Violência simbólica
Segundo Paulo César Almeida, a interdição da participação de crianças e adolescentes, em um mesmo contexto normativo, a uma manifestação de cunho político e pacífico, como é o caso da Parada do Orgulho LGBTQIA+, juntamente com a proibição de outras atividades classificadas como ‘eróticas’, ‘pornográficas’, de ‘incentivo às drogas’ e de ‘intolerância religiosa’ gera, por si só, grave violência simbólica contra pessoas que expressam orientação sexual e identidade de gênero tidas como divergentes das normas sociais.
Segundo a Recomendação, a “equiparação da Parada do Orgulho LGBTQIA+ a estas atividades moralmente reprováveis e, inclusive, inadequadas para locais abertos ao público (…), reforça, equivocadamente, o infeliz estereótipo de que a afetividade entre pessoas do mesmo sexo e a livre expressão da identidade de gênero são posturas patológicas, desviantes e reprováveis”.
“Deste modo – continuou o defensor –, a previsão normativa, ao estabelecer a proibição de que crianças e adolescentes presenciem a Parada do Orgulho LGBTQIA+, aprofunda uma ideia errônea de desajuste das pessoas homossexuais, bissexuais, assexuais, intersexuais, transgênero, não-binárias e outras, intensificando, assim, visões preconceituosas e violentas, já tão alastradas socialmente, em desfavor de quem manifeste diversidade sexual e de gênero”.
Diversidade familiar
A Recomendação expedida pela Defensoria Pública destaca que “o ordenamento jurídico brasileiro reconhece como válida e legítima a diversidade das famílias, sendo, inclusive, autorizada a adoção de crianças e adolescentes, independentemente da idade, por casais homoafetivos, nos termos do Recurso Extraordinário RE n. 846.102, do STF”.
Nesse sentido, o defensor público lembra que foram essas manifestações políticas e sociais, como a Parada do Orgulho LGBTQIA+, que, com persistência e luta ao longo da histórica, asseguraram que essas novas famílias fossem formadas, conferindo amparo e carinho de que crianças e adolescentes precisam para crescer e se desenvolver de forma sadia e segura.
“Como admitir que crianças e adolescentes, acolhidas com amor e afeto em um lar com dois pais ou duas mães, sejam interditadas de participar da Parada do Orgulho LGBTQIA+? Que mensagem se pretende enviar para essas crianças e adolescentes adotados por casais homoafetivos? Que suas famílias são merecedoras de menor respeito e valor? Que seus núcleos familiares não merecem conviver publicamente?”, questiona a Recomendação.
Em conclusão, o defensor público diz que a implementação de leis municipais que proíbem que crianças e adolescentes acessem o debate público sobre a diversidade quanto à orientação sexual e à identidade de gênero, ao contrário de protegê-las, apenas colabora para a formação de pessoas despreparadas para a vida em democracia. Reforça, então, a necessidade de políticas voltadas para a valorização da pluralidade e, sobretudo, conscientização sobre o dever de respeito às diferenças.