Brumadinho: Instituições do Sistema de Justiça dão início a um dos maiores programas do mundo com participação direta das comunidades

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Atingidos pelo desastre da Vale terão direito a escolher projetos que melhor atendam a demandas de suas comunidades

A Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Ministério Público Federal (MPF) deram início, nesta quinta-feira (05/06), à execução do Anexo I.1 do Acordo Judicial para Reparação Integral do rompimento das barragens da Vale S.A. em Brumadinho.

A defensora pública-geral de Minas Gerais, Raquel Gomes de Sousa da Costa Dias, representou a DPMG na cerimônia. A solenidade, realizada na sede do Ministério Público de Minas Gerais, contou também com a presença das pessoas atingidas e chefes das demais instituições. Fotos: Marcelo Sant’Anna/DPMG

O fato marca não apenas um marco jurídico e social na história da reparação de desastres no Brasil, mas também o início de um dos maiores programas de deliberação direta do mundo, que irá destinar, ao total, mais de R$ 3 bilhões exclusivamente à reparação de danos coletivos definidos pelas próprias comunidades atingidas.

Raquel da Costa Dias assinou o termo que dá início à execução do Anexo I.1 do Acordo Judicial para Reparação Integral do rompimento das barragens da Vale S.A

Raquel da Costa Dias destacou o trabalho conjunto das instituições e, especialmente, das defensoras e dos defensores públicos do Núcleo Estratégico de Proteção aos Vulneráveis em Situação de Crise, da DPMG, na construção de todo o processo de reparação. Direcionando sua fala às pessoas atingidas, ela ressaltou a importância da escuta para a reparação.

Segundo ela, o Anexo I.1 materializa no protagonismo das pessoas atingidas no processo de reconstrução. “É hora de, como servidores públicos, ouvirmos de vocês quais são os projetos que vão impactar e transformar as suas vidas. Estamos ansiosas a ajudar a promover essa transformação social ao longo de toda a região atingida. Contem conosco”, afirmou a defensora pública-geral.

Raquel Gomes da Costa Dias e os defensores que integram o Núcleo Estratégico de Proteção aos Vulneráveis em Situação de Crise: Felipe Augusto Cardoso Soledade, Antônio Lopes de Carvalho Filho e Bráulio Santos Rabelo de Araújo

Após um intenso processo de encontros, debates, diagnósticos e construções participativas envolvendo mais de 1.300 atingidos, o plano agora ganha vida com o início do processo de deliberação pelas comunidades, em fase de projeto piloto. Esta primeira etapa será conduzida pela entidade gestora, liderada pela Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, com o apoio da Associação Nacional dos Atingidos por Barragens e do Instituto E-dinheiro Brasil.

Os recursos serão aplicados em projetos de reparação coletiva, organizados em três níveis de impacto: pequeno, médio e grande porte, com abrangência local, regional e inter-regional, respectivamente. A execução ocorrerá em duas grandes ondas. A primeira, prevista até maio de 2026, será dedicada à definição e contratação de projetos locais e mais simples. A segunda onda contemplará projetos mais complexos, com maior maturidade da governança comunitária.

As iniciativas poderão contemplar temas como geração de trabalho e renda, acesso à cultura, esporte e lazer, à qualidade de vida e à saúde, a critério das comunidades. A estrutura participativa será acompanhada pelas ATIs.

Além dos projetos de reparação direta, o Anexo I.1 prevê a criação de linhas de crédito e microcrédito com condições mais favoráveis que as do mercado. Essas linhas visam fomentar o desenvolvimento territorial e a superação das vulnerabilidades socioeconômicas das comunidades atingidas. A operacionalização do crédito será iniciada com campanhas informativas e ações formativas nos territórios, e os critérios de acesso serão definidos com base nas deliberações das instâncias de governança até o primeiro semestre de 2026.

R$ 326 milhões na primeira etapa

Nesta primeira fase, denominada “projeto piloto”, serão utilizados R$ 326,7 milhões para implementação das estruturas de governança popular e início da primeira onda de projetos comunitários e linhas de crédito solidário. A expectativa é que até o final do primeiro ano todas as cinco regiões atingidas estejam com conselhos locais e regionais estruturados e a primeira onda de projetos já tenha sido escolhida. Também estão previstos o início do funcionamento de programas de crédito popular.

Governança popular como inovação estrutural

O modelo adotado para o Anexo I.1 é considerado inovador por sua profundidade democrática: as decisões sobre os projetos e recursos são tomadas diretamente pelas pessoas atingidas, por meio de conselhos locais, regionais e inter-regionais.

A governança é organizada de forma a permitir que projetos pequenos, médios e grandes sejam deliberados conforme o nível de abrangência e complexidade, com controle social robusto e estrutura de transparência ativa.

Foco na reparação coletiva e desenvolvimento sustentável

O Anexo I.1 tem como missão garantir a reparação integral com base em justiça social e desenvolvimento comunitário. Os recursos poderão ser utilizados em projetos de geração de renda, saúde, educação, cultura, habitação, além de microcrédito produtivo orientado, bancos comunitários e fundos rotativos solidários.

Para o procurador-geral de Justiça do Ministério Público de Minas, Paulo de Tarso, “esse projeto que reconhece que quem mais entende do que precisa ser feito são as próprias comunidades”. Para o procurador da República, Carlos Bruno, a inovação é ponto de destaque. “Estamos iniciando em Minas Gerais um processo absolutamente inovador. Temos esperança de que o protagonismo das pessoas atingidas seja o condutor desse processo”.