Defensoria Pública de Minas Gerais consegue reconhecimento de dupla maternidade em registro de criança gerada por inseminação artificial caseira
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Bebê nascerá em agosto e será registrado como filho da mãe biológica/gestante e da mãe socioafetiva
João* ainda nem nasceu. Sua chegada está prevista para agosto, mas suas mães e a Defensoria Pública mineira já trataram de garantir seu direito a ter o nome das duas mães na certidão de nascimento.
Paula* e Ana* viveram em união estável por cerca de três anos. Desejando ter e criar um filho juntas, formalizaram o casamento civil em fevereiro deste ano.
O casal chegou a buscar clínicas de fertilização, mas os altos custos dos procedimentos de fertilização in vitro e a falta de garantia de sucesso tornaram inviável a opção.
Elas decidiram então tentar a inseminação heteróloga caseira. O doador do material genético tem plena ciência da vontade das assistidas e não possui nenhum vínculo financeiro ou afetivo com elas, sendo, inclusive, de outra cidade.
Após um ano de tentativas, Paula engravidou.
Ela conta que tinha consciência de que para constar o nome das duas como mães no registro do filho seria necessário apresentar no cartório o atestado da clínica de fertilização artificial ou ajuizar um processo judicial.
“Assim que descobrimos a gestação já começamos a nos mover e procuramos a Defensoria Pública para tornar possível esse registro. Sabíamos que era uma ação incomum, mas nós nos sentimos acolhidas desde o primeiro contato”, relatou Paula.
A Defensoria Pública, então, enviou ofício ao Cartório do 2º Registro Civil das Pessoas Naturais de Governador Valadares. Em resposta, o órgão afirmou ser indispensável a comprovação de atestado de clínica de inseminação artificial e informou que, na ausência do documento, o futuro registro de nascimento da criança seria realizado apenas em nome da mãe biológica.
Paula relata a insegurança causada pela situação. “Meu medo sempre foi de algo me ocorrer e o bebê ficar desassistido, ou mesmo minha esposa ter seus direitos questionados. Passei o início todo da gestação pensando quem ficaria comigo no resguardo, quem cuidaria de nós nos primeiros dias, pois se o nome da Ana não constasse na certidão, ela não poderia usufruir dos seus direitos”. Entre outros direitos, o reconhecimento da dupla maternidade garante o período de licença para as duas mães.
Assim, a DPMG propôs ação judicial para o reconhecimento da dupla maternidade do nascituro, com a inclusão no registro civil de João, do nome da esposa de Paula como mãe socioafetiva, em regime de multiparentalidade, e a inclusão dos pais da esposa como avós maternos.
Na petição, o defensor público Jaqueson Antonio da Silva afirma que, no caso em questão, o reconhecimento da dupla maternidade será crucial para garantir a assistência e o cuidado da criança em qualquer eventualidade.
“A pretensa mãe socioafetiva tem acompanhado ativamente toda a gestação, participando de consultas, ultrassons e de todos os atos decisivos desde o conhecimento da gravidez. Além disso, a assistida grávida não possui outros familiares em Governador Valadares e depende exclusivamente do apoio da esposa e de sua família”, afirmou o defensor público.
Entre outros argumentos jurídicos, Jaqueson da Silva mencionou provimentos do Conselho Nacional de Justiça e entendimentos do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e de Tribunais de Justiça estaduais, os quais reconhecem o valor jurídico da afetividade para a constituição de vínculos de parentesco, admitindo, inclusive, a coexistência da paternidade socioafetiva com a biológica (multiparentalidade).
O juízo da 1ª Vara Cível da comarca de Governador Valadares acolheu o pedido de urgência da Defensoria Pública, reconhecendo a dupla maternidade de João, declarando-o filho da mãe biológica/gestante e da mãe socioafetiva.
A decisão trouxe segurança e reconhecimento para o casal.
“Senti um alívio imediato quando recebi a resposta positiva com menos de um mês de processo. Ter o reconhecimento da Ana como mãe, assim como eu, trouxe um alívio para mim agora no finalzinho da gestação. E, saber que nosso filho terá direito a sua filiação reconhecida desde o nascimento, traz reconhecimento para nossa família, relatou Paula.
O processo tramita em segredo de justiça.
*Nomes fictícios
Alessandra Amaral – Jornalista DPMG.