Em uma iniciativa de conscientização e promoção dos direitos das pessoas transgênero, a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) realizou o seminário “Retifica MG: Não-Bináries pelo Direito de Existir”. O evento aconteceu de forma híbrida nesta sexta-feira (28/4), no auditório da Instituição em Belo Horizonte.
O seminário antecede o 1º Mutirão de Retificação de Nome e Gênero de Pessoas Não Binárias”, que começa no dia 2 de maio e vai até 30 de novembro. A retificação é uma forma de garantir cidadania, inclusão social e resgate da autoestima a este público.
Ambos os eventos são realizados por meio da Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais (DPDH).
Ao abrir o seminário, o subdefensor público-geral Nikolas Katopodis observou que embora, por muito tempo, a Defensoria Pública tenha vivido uma pauta de gênero baseada na questão homem/mulher, esse olhar tem se diversificado e ampliado. “A grandiosidade desta Instituição é que aqui todas as pautas merecem o mesmo tratamento e a mesma acolhida”.
O subdefensor-geral disse que a pauta LGBTQIA+ ainda é invizibilizada e causa silêncio. Ele pontuou a necessidade de se falar e aprender sobre o tema, destacando a relevância dos movimentos sociais e coletivos afins.
“Enquanto nossos corpos, nossas roupas ou a forma que escolhemos seja motivo de julgamento, crítica ou discriminação, esta não será uma sociedade igual, justa e feliz”, afirmou Nikolas Katopodis.
Nikolas defendeu “o direito de ser e existir da forma que nos sentimos bem” e finalizou afirmando que “não existe dignidade pela metade. A dignidade só é efetiva quando causa felicidade”.
Para o coordenador da Comissão de Diversidade Sexual do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais, Lucas Eduardo Souza Assunção Lopes, a psicologia tem uma dívida com as pessoas dissidentes sexuais e de gênero. “O discurso psicológico, juntamente com os discursos religioso e médico, foram, em parte, bastante responsáveis pelo estigma que as pessoas dissidentes sexuais de gênero ainda enfrentam na sociedade”.
Lucas Lopes reforçou que é papel da Psicologia estar aliada aos movimentos sociais e destacou a importância de a Defensoria Pública propor esse diálogo e ter as portas abertas para esse segmento da população.
A diretora-presidenta da Associação das Defensoras e dos Defensores Públicos de Minas Gerais (ADEP-MG), Marolinta Dutra, observou que não existe cidadania sem respeito e sem reconhecimento. Enfatizou a relevância do seminário e a necessidade de se discutir e aprender sobre a pauta da diversidade sexual, para que as defensoras e defensores públicos estejam preparados para atender este público.
O defensor público em atuação na DPDH, Vladimir Rodrigues, que está à frente na iniciativa, ressaltou que o seminário foi pensado pelo movimento não-binárie e que a Defensoria mineira, como órgão democrático, abre suas portas para discussão e construção conjunta. “A Defensoria é parceira para essas boas causas e boas lutas”, disse.
Programação
A palestra “Pessoas Não-Bináries – Vivências e Contextualização da Luta por Direitos”, com Lui Oliveira e Tuty Veloso Coura Guimarães, abriu a programação técnica do seminário.
Lui Oliveira explicou o conceito de não-binariedade, identidade de gênero guarda-chuva que não se encaixa na dicotomia tradicional entre o masculino e o feminino, englobando várias subcategorias de identidades não-binárias. A identidade de gênero pode se manifestar de diferentes formas e graus. Algumas pessoas não-binárias podem se identificar com uma mistura ou variação de masculino e feminino, enquanto outras podem se identificar completamente fora desse espectro.
Para uma pessoa não-binária a expressão de gênero é uma forma de mostrar ao mundo quem é e como se sente confortável ao se apresentar. Isso pode incluir personalização de roupas, cabelo, maquiagem, voz, gestos e demais formas de expressão de gênero e comportamento social.
Lui explicou que pessoas trans não-binárias podem escolher uma expressão de gênero que não se encaixa com a categoria binária e lembrou que a escolha não é feita para atender a norma cisgênera, do que é considerado socialmente como 100% mulher ou 100% homem.
Lui e Tuty falaram sobre violências e discriminações que são dirigidas a este segmento da população em função da identidade de gênero e sobre normas que só cabem à cisgeneridade e à binariedade.
“A sociedade não está pronta para lidar com os nossos corpos e, em qualquer oportunidade, nos impõe criminalizações”, afirmaram.
O encontro contou com apresentação artística por Eli Nunes Monteiro e Rafaela Augusta Maciel de Souza e com roda de conversa sobre as violências contra pessoas não-bináries.
Lucas Lopes e Tuty Veloso dividiram a roda de conversa com o promotor de Justiça, coordenador de Combate ao Racismo e Todas as Outras Formas de Discriminação do MPMG, Allender Barreto Limas da Silva.
Allender Barreto observou que a dignidade da pessoa humana é um fundamento da República que deve se espraiar por toda ordem jurídica e que implica no dever do Estado de reconhecimento de todas as existências. O promotor destacou que a liberdade inclui a autodeterminação e que a igualdade não deve ser interpretada como uma abstração no sentido de igualação e, sim, deve passar pelo reconhecimento das diferenças.
Também foi feita a leitura de uma Carta Reivindicatória dirigida à Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais sobre a retificação de prenome e gênero de pessoas não-binárias. O objetivo é apresentar ao órgão a importância de serem reconhecidas e validadas as identidades não cisgênero no que diz respeito à garantia de direitos e proteção social.
Clique para ler a carta reivindicatória.
Na sequência, o defensor público Vladimir Rodrigues forneceu informações sobre o processo, em Minas Gerais, de acertamento de identidade de gênero para pessoas não-binárias.
O seminário “Retifica MG: Não-Bináries pelo Direito de Existir” contou com o apoio da Associação das Defensoras e dos Defensores Públicos de Minas Gerais (ADEP-MG).
Alessandra Amaral – Jornalista / DPMG