Em junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu em favor da criminalização da LGBTfobia. Até então, os crimes cometidos contra a população LGBTI+, motivados por sua orientação sexual ou identidade de gênero, não tinham nenhuma tipificação penal específica no Brasil. Após a decisão do STF, até que o Congresso Nacional edite lei específica, as condutas homofóbicas e transfóbicas passaram a se enquadrar na tipificação da Lei do Racismo.
Mesmo com essa proteção, vítimas de agressões LGBTfóbicas encontram dificuldades ao tentar denunciar ou buscar ajuda nos serviços de saúde, segurança pública ou da Justiça. Por isso, muitas acabam não denunciando seus agressores.
Apesar de ter passado por três órgãos antes de chegar à Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), o músico e gestor cultural João (31 anos) não desistiu de denunciar ato de LGBTfobia que sofreu, praticado por um motorista associado à Uber.
Foi por meio da atuação da Defensoria Pública de Minas que o músico conseguiu fazer valer os seus direitos e ser indenizado em R$ 2 mil, por danos morais.
O caso
Em agosto de 2019, João acionou os serviços da Uber por aplicativo e durante o trajeto o motorista mudou a rota exibida pelo GPS, prolongando o caminho. Ao solicitar a parada do veículo e o encerramento da corrida, o motorista se exaltou e passou a lhe dirigir ofensas de cunho homofóbico.
Não satisfeito com os xingamentos que dirigiu ao passageiro, o motorista desceu do carro e foi atrás de João, gritando e xingando o rapaz na rua, causando constrangimento e inferiorizando-o em público.
Ao ser informada do fato, a Uber não ofereceu ao rapaz nem respostas satisfatórias nem os dados do motorista, alegando que só poderia repassá-los por ordem judicial. A empresa apenas solicitou informações ao passageiro e informou que analisaria as possíveis providências a serem definidas.
João então registrou boletim de ocorrência e juntou as reclamações e tentativas feitas junto à Uber, que liberou os dados do motorista após solicitação da Polícia Civil.
Seu esforço e perseverança em denunciar o ato de LGBTfobia encontraram amparo na Defensoria Pública de Minas.
O defensor público Vladimir Rodrigues, que atua na Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais (DPDH), entrou em contato com a Uber, que responsabilizou o agressor pelo ato, alegando que o motorista parceiro não presta serviços à empresa propriamente dita e, sim, aos usuários da plataforma.
Não concordando com a resposta da empresa, uma vez que nos termos do Código de Defesa do Consumidor a Uber opera como prestadora de serviços, devendo responsabilizar-se pelos danos ocorridos, o defensor público ingressou com ação no Juizado Especial, pedindo indenização por dano moral.
Decisão
Com o mesmo entendimento, o Juizado julgou procedentes os pedidos do defensor público e condenou a Uber a pagar R$ 2 mil a João por danos morais.
Na decisão, datada de 4 de maio, a juíza de Direito afirma: “a conduta do motorista certamente trouxe ao autor prejuízos que extrapolam o mero aborrecimento cotidiano e adentram os direitos da personalidade, afetando bens que têm um valor precípuo na vida do ser humano: a dignidade, a paz, a tranquilidade de espírito, a integridade psíquica, entre outros afetos, caracterizando assim a produção de um dano de natureza moral”.
João comemora o resultado e pondera que ainda são necessários muitos avanços. “Quase dois anos, entre sofrer uma agressão e ter uma resposta da Justiça, é muito tempo”, observa. Segundo ele, a desinformação ainda predomina, mesmo na população LGBTI +.
“Quando eu fui à Defensoria Pública fiquei surpreso, pois foi lá que eu tive conhecimento de que havia sofrido não apenas uma agressão, mas sim ofensas LGBTfóbicas. Foi lá que eu fiquei sabendo da tipificação do ato. E a sentença da juíza não menciona nada disso. Acho um pouco triste, mas é uma vitória que a empresa tenha siso sentenciada a uma indenização educativa”, disse o assistido.
Responsabilidade civil
O defensor público Vladimir Rodrigues ressalta a importância da decisão e o seu caráter educativo.
“Os atos LGBTfóbicos ou de agressão cometidos pelos motoristas de aplicativos de transporte são também e, principalmente, responsabilidade das empresas prestadoras de serviços. As empresas informam os usuários que não têm responsabilidade, jogando nas costas dos motoristas que, de outro lado, são a parte mais fragilizada. Em regra, são pessoas desempregadas, procurando seu sustento. Essa decisão é importante por isso. É preciso ficar bem claro: a responsabilidade civil de pagar indenizações por atos ilegais, LGBTfóbicos e agressões é, sim, da empresa”, afirma o defensor.
A liberdade do cidadão é plena e sua orientação sexual não pode ser motivo de qualquer ato de violência ou discriminação.
A Defensoria Pública de Minas busca garantir a liberdade fundamental dos cidadãos, além de fomentar e monitorar a política pública destinada à promoção da igualdade da população LGBTI+, por meio de ações como a participação em audiências públicas, seminários, emissão de recomendações, entre outras, desenvolvidas também em parceria com os movimentos da sociedade civil.
Alessandra Amaral – Jornalista DPMG