Ministros entenderam que, nesses casos, prevalece sigilo profissional. Caso defendido pela DPMG em todas as instâncias abriu precedente no STJ
Por meio da atuação da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou entendimento em julgamento feito nesta terça-feira (14/3) que um médico não pode acionar a polícia para investigar pacientes que procuram atendimento e relatam ter realizado um aborto fora da previsão legal.
Com essa definição, a Sexta Turma do STJ encerrou uma investigação aberta contra uma mulher que tomou medicamento abortivo e estaria com 16 semanas de gestação.
O caso
A paciente teria aproximadamente 16 semanas de gravidez quando passou mal e procurou o hospital. Durante o atendimento, o médico suspeitou que o quadro fosse provocado pela ingestão de remédio abortivo e, por isso, decidiu acionar a Polícia Militar.
Após a instauração do inquérito, o médico foi arrolado como testemunha no processo e o prontuário da paciente foi encaminhado à autoridade policial pelo hospital.
Com base nessas informações, o Ministério Público de Minas Gerais propôs a ação penal e, após a primeira fase do procedimento do tribunal do júri, a mulher foi pronunciada pelo crime do artigo 124 do Código Penal.
Ao analisar o processo, que tramitou na Vara Criminal e da Infância e Juventude da comarca de Conselheiro Lafaiete, a defensora pública Mônia Aparecida de Araújo Paiva verificou que toda a persecução penal ocorreu porque o médico que atendeu a assistida acionou a polícia, diante da suspeita de abortamento.
“Durante o processo, o médico prestou depoimentos em sede policial, foi arrolado como testemunha e, contrariando o disposto no art. 207 do Código de Processo Penal e o art. 73, parágrafo único, “c”, do Código de Ética Médica, prestou depoimento, quando deveria manifestar seu impedimento”, observa a defensora.
“Todos os elementos de convicção, inclusive o envio do prontuário pelo hospital, foram obtidos com violação ao sigilo médico, motivo pelo qual não havia materialidade a justificar o prosseguimento da ação penal”, continua Mônia Paiva.
Assim, a defensora pública interpôs habeas corpus no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, visando o trancamento da ação penal pela ausência de justa causa. No TJMG, a ordem não foi concedida e, por isso, a Defensoria com atuação em segunda instância, por meio da defensora pública Cláudia Marcela Nascimento Câmara Fernandes, impetrou novo habeas corpus perante o STJ.
Provas ilegais
No STJ a sustentação oral foi feita pelo defensor público Flávio Wandeck, do Núcleo de Atuação da DPMG junto aos Tribunais Superiores.
Os ministros entenderam que, nesse tipo de caso, prevalece o sigilo profissional e encerraram a investigação por considerar que as provas eram ilegais.
“O médico que atendeu a paciente se encaixa na proibição legal, uma vez que se mostra confidente necessário, estando proibido de revelar segredo que tem conhecimento em razão da profissão, bem como de depor sobre o caso como testemunha”, afirmou o relator do caso, ministro Sebastião Reis.
Assim, em seu entendimento, a instauração do inquérito policial decorreu de provocação por parte do próprio médico, que, além de ter sido indevidamente arrolado como testemunha, encaminhou o prontuário médico da paciente para a comprovação das afirmações. “Encontra-se contaminada a ação penal pelos elementos de informação coletados de forma ilícita, sendo, portanto, nulos”, asseverou.
Dessa forma, o ministro concedeu o HC para trancar a ação penal. Determinou ainda que os autos sejam encaminhados ao Conselho Regional de Medicina, bem como ao Ministério Público para apuração da responsabilidade do médico.
O colegiado acompanhou o entendimento por unanimidade.
Para a defensora Mônia Paiva, é muito importante que teses como esta sejam reconhecidas e divulgadas, pois mais de 70% dos casos denunciados de aborto correspondem a denúncias feitas por profissionais de saúde, segundo pesquisa feita pelo Nudem da Defensoria de São Paulo.
“Não se trata de empecilhos à apuração de crimes, pois há situações em que há obrigatoriedade de notificação, como nos casos de violência doméstica contra a mulher e crianças e adolescentes. Mas, há hipóteses em que a preservação da intimidade, da dignidade e do direito à não autoincriminação da mulher prevalecem”, ressalta Mônia Paiva. “
Uma mulher que chega a um hospital em procedimento de abortamento, ou após este, não confessa ou quer confessar um crime. Ela conta sua história de saúde a um médico. Violá-la é uma grave infração ética”, completa a defensora pública.
Alessandra Amaral – Jornalista/DPMG.