Ação Coletiva da DPMG garante direito ao passe livre no transporte público a pessoas com deficiência auditiva em Governador Valadares 

Por Assessoria de Comunicação em 4 de julho de 2023

Buscando garantir o direito ao benefício de passe livre às pessoas com deficiência auditiva sem recursos financeiros no Município de Governador Valadares, a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) ajuizou, na última sexta-feira (30/06), ação civil pública (ACP) cominatória de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência em face do Poder Público Municipal e da empresa concessionária do serviço de transporte coletivo urbano, Mobi Transporte Urbano Ltda. 


Nesta terça-feira (04/07), o Juízo da 1ª Vara Cível da comarca de Governador Valadares acolheu as teses da Defensoria mineira, deferindo os pedidos formulados a título de tutela antecipada de urgência. 

Assinam a ACP o defensor público Paulo Cesar Azevedo de Almeida, à frente da Coordenadoria Estratégica de Tutela Coletiva (CETUC), e os defensores públicos Lucas Faria Alves e Jonathas Hygino Pena de Mello, que atuam na área Cível em Governador Valadares. 

Os fatos 

A Defensoria Pública de Minas tomou conhecimento de que os órgãos públicos municipais e a concessionária do serviço de transporte coletivo urbano estariam descumprindo o dever legal de concessão do benefício de passe livre no transporte público, recusando a gratuidade de acesso a tal serviço às pessoas com deficiência auditiva, violando, assim, os direitos assegurados a todo esse grupo. 

Em um caso específico, a Defensoria Pública atendeu uma pessoa com deficiência auditiva permanente acima de 41 dB nos dois ouvidos, caracterizando surdez moderada a severa, de acordo com avaliação médica. No entanto, a assistida foi informada de que não teria direito ao benefício, pois este só seria concedido em casos de surdez comprovada como severa ou profunda. 

A Defensoria Pública ingressou, então, com uma ação contra o Município de Governador Valadares, na qual foi deferida a medida liminar que garantiu, individualmente, o direito ao passe livre para a pessoa assistida. 

Diante disso, a Defensoria Pública instaurou um procedimento administrativo para investigar as negativas de concessão do benefício às pessoas com surdez.

Antes do ajuizamento da ACP, a Defensoria fez várias tentativas de solução extrajudicial e consensual do conflito, com expedição de ofícios e recomendações ao Município e à empresa concessionária.

Em resposta à recomendação da Defensoria, a concessionária do serviço de transporte coletivo afirmou que as regras de gratuidades são estabelecidas pelo Município, cabendo a ela apenas o cumprimento. E, até o ajuizamento da ACP, não houve retorno da Prefeitura de Governador Valadares. 

ACP 

Entre outros pontos, a ação civil pública contextualizou e elencou as principais leis que versam sobre os direitos das pessoas com deficiência, com ênfase no direito ao transporte público, à mobilidade urbana e ao passe livre. 

Conforme a petição inicial, em relação ao direito ao transporte, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 13.146/2015) estabelece a garantia de mobilidade às pessoas com deficiência, assegurando-a em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, por meio da identificação e eliminação de todos os obstáculos e barreiras ao seu acesso.  

A ação enfatizou a relevância do acesso livre e facilitado ao transporte às pessoas com deficiência, uma vez que a mobilidade urbana é essencial para a garantia de inúmeros outros direitos fundamentais como saúde, educação, profissionalização e lazer.  

“A essencialidade do direito ao transporte é prevista também no bojo do art. 6°, caput, da Constituição Federal, sendo inegável que, em sua maioria, a concretização das demais garantias listadas depende, direta ou indiretamente, da possibilidade de condução e deslocamento. Percebe-se, então, serem essas as razões para o especial amparo oferecido pelo ordenamento jurídico brasileiro às pessoas com deficiência, no que tange à garantia de acesso facilitado ao transporte e à mobilidade”, afirmou a ACP. 

Além disso, o Estatuto da Pessoa com Deficiência estabelece que o processo de habilitação e de reabilitação é um direito da pessoa com deficiência, o que demanda constante deslocamento até profissionais e serviços especializados, para avaliações multidisciplinares. 

Assim, conforme argumentado, o Poder Público tem o dever de garantir o direito ao transporte público de forma integral e gratuita a esse grupo vulnerabilizado, para que haja efetiva inclusão, igualdade material e cidadania.

“Não são legítimas as posturas estatais que, a despeito de leis garantidoras do benefício, venham a impor embaraços desarrazoados à fruição de passe livre por parte das pessoas com deficiência”, alegou. 

Invalidade do decreto municipal nº 11.095/2020 

Segundo a previsão de repartição de competências entre os entes federativos dispostas na Constituição Federal, compete aos municípios instituir e legislar sobre o transporte coletivo urbano.  

Em Governador Valadares, a Lei Municipal n.º 6.058/2009 foi a norma responsável por prever o Programa de Transporte Coletivo Público Municipal Gratuito – Passe Livre, destinado às pessoas com deficiência, dentre outros grupos vulneráveis.  


A lei prevê o benefício do Passe Livre para pessoas com deficiência, de maneira abrangente e extensiva, sem restringir o acesso à gratuidade no transporte por quaisquer critérios relacionados ao tipo de deficiência que acomete a pessoa, nem pelo grau ou nível de comprometimento que referida condição causa nas funções orgânicas do indivíduo. 


Em outras palavras, a norma não dispôs um rol de hipóteses de deficiências que ensejariam a concessão do benefício de passe livre. Como única exigência relativa à condição de limitação, a referida legislação apenas se reporta à necessidade de apresentação de atestado ou laudo médico apto a comprovar a deficiência física ou mental. 

Ocorre que o Decreto Municipal n° 11.095/2020, no intuito de regulamentar a Lei n.º 6.058/2009, previu, em seu art. 9°, norma de caráter restritivo, estabelecendo que somente farão jus ao benefício de passe livre as pessoas com surdez que comprovem frequência regular em escola especial, no caso de alunos com deficiência auditiva moderada, ou, na hipótese de não frequentarem escola especial, o benefício só seria concedido aos casos de deficiência severa ou profunda. 

Violação ao princípio da legalidade 

Ao Poder Executivo é conferida a possibilidade de editar atos de caráter geral e abstrato, sem, contudo, inovar, de forma inicial, o ordenamento jurídico. Ou seja, o ato normativo não pode contrariar a lei, nem criar direitos, impor obrigações, proibições, penalidades que nela não estejam previstos, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade. 

Porém, como argumentado na ACP, as regras estabelecidas no Decreto Municipal n.º 11.095/2020 não visam somente operacionalizar, ou promover a adequada execução da norma legal que estabelece o direito a passe livre. 

“Ao contrário, o art. 9º do Decreto visa verdadeiramente inovar na ordem jurídica, uma vez que estabelece que, caso não estejam vinculados a escola especial, só será garantido o direito de passe livre às pessoas com surdez considerada severa ou profunda. Assim, a pretexto de regulamentar, o decreto inova na ordem jurídica e estabelece novas hipóteses de limitação e restrição de direitos que só poderiam ser veiculadas por lei formal, com evidente violação ao princípio da legalidade”, afirmou a ACP. 

Na ação, a Defensoria Pública observou ainda que a classificação quanto à deficiência auditiva contida no Decreto Municipal n.º 11.095/2020 atrela-se ao art. 3º do Decreto Federal n.º 3.298/1999. Contudo, tal norma foi objeto de reforma pelo Decreto Federal nº 5.296/2004, o qual revogou as regras que anteriormente estipulavam distinções entre graus e níveis de surdez, adotando um critério único de deficiência auditiva.

Assim, a ACP pontuou a invalidade do Decreto Municipal n.º 11.095/2020 nesse ponto, uma vez que faz remissão à norma federal revogada, contrariando o regramento geral atual relativo à matéria. 

Ademais, salientou que é competência da União estabelecer normais gerais sobre a proteção das pessoas com deficiência. Portanto, as normas federais a respeito do tema não podem ser contrariadas por atos normativos estaduais e municipais. 

Dessa forma, concluiu a ACP, “o Decreto Municipal n.º 11.095/2020, mesmo se pudesse inovar na ordem jurídica, não poderia contrariar a prevalência das normas gerais sobre proteção da pessoa com deficiência previstas no Decreto Federal n.º 3.298/1999, com redação dada pelo Decreto Federal n.º 5.296/2004”. 

Ao embasar o pedido de tutela provisória de urgência, a ACP citou a probabilidade do direito, demonstrada pela ilicitude do Decreto Municipal n.º 11.095/2020, e também, o perigo de dano, já que a negativa da gratuidade no transporte coletivo urbano “impõe graves entraves no acesso a todos os demais serviços públicos essenciais à concretização de garantias fundamentais”. 

Além do pedido de tutela provisória de urgência, a ACP requereu que o reconhecimento do direito ao passe livre no transporte coletivo público municipal a todas as pessoas economicamente hipossuficientes com deficiência auditiva, independentemente do grau ou nível de comprometimento da função sensorial, exigindo-se, para o acesso à gratuidade, apenas atestado ou laudo médico da referida condição, conforme previsão do art. 1º, § 3º, da Lei Municipal n.º 6.058/2009, afastando-se, com isso, as previsões restritivas ilegais impostas pelo Decreto Municipal n.º 11.095/2020, editado pelo Poder Executivo. 

A ação também pediu que o Poder Público Municipal e a empresa Mobi Transporte Urbano façam a divulgação, de forma ostensiva e clara, das regras sobre a concessão do passe livre às pessoas com deficiência, bem como os requisitos necessários para o exercício de tal direito, conforme a Lei Municipal n.º 6.058/2009.

Por fim, a ACP requereu a fixação de multa diária em desfavor do Município Réu, no valor de R$ 10.000, para o caso de descumprimento (parcial ou total) do provimento jurisdicional, a ser destinada ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. 

Na decisão que deferiu os pedidos liminares formulados pela Defensoria Pública, foi determinado o prazo de cinco dias para que o Município e a concessionária afastem as previsões restritivas ilegais impostas pelo Decreto Municipal n.º 11.095/2020, editado pelo Poder Executivo, sob pena de multa diária em caso de descumprimento.

Além disso, ordenou-se a divulgação das regras para acesso à gratuidade às pessoas com deficiência em até 30 dias pelo Município e pela empresa Mobi. 

No entendimento do juiz de Direito Marco Anderson Almeida Leal, “essas medidas são fundamentais para garantir a efetiva inclusão das pessoas com deficiência auditiva no transporte coletivo público municipal, assegurando-lhes o direito ao passe livre e eliminando possíveis restrições indevidas impostas por decretos municipais”. 

Clique para ler a decisão. 

Alessandra Amaral – Jornalista DPMG 

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