Assistido da Defensoria Pública de Minas acusado de furtar 4 galinhas é absolvido após caso tramitar por 4 anos e chegar ao STF

Por Assessoria de Comunicação em 12 de dezembro de 2023

Réu havia sido absolvido na primeira instância, mas caso foi parar na mais alta corte após recursos apresentados pela acusação 

O Supremo Tribunal Federal (STF) absolveu um assistido da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) acusado de furtar galinhas. 

O caso aconteceu em setembro de 2019 na cidade de Bambuí, na região Centro-Oeste do Estado.  

M.T.M. foi denunciado pelo furto de quatro aves. No momento de sua prisão em flagrante, a polícia recuperou duas das galinhas. As aves valiam, na época, 5 reais. 

Em dezembro de 2019, o juízo da Vara Criminal de Bambuí entendeu que “os fatos praticados pelo acusado não configuram a tipicidade material necessária para o reconhecimento do delito” e absolveu o assistido, com fundamento no artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal, tendo em vista a atipicidade da conduta por força do princípio da insignificância.” 

O Ministério Público interpôs recurso e, em fevereiro de 2022, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais deu provimento, condenando M.T.M.  

No acórdão, a 5ª Câmara afirma não ser aplicável o princípio da insignificância. “Verificada a reincidência e os maus antecedentes do réu, bem como o fato de que ele se encontrava em cumprimento de pena quando do cometimento do crime em comento, não há que se falar em aplicação do princípio da insignificância”. 

A DPMG interpôs agravo em recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em junho deste ano, o ministro relator analisou o recurso e negou o pedido, mantendo a sentença.  

A Defensoria Pública de Minas, então, interpôs agravo regimental no agravo em recurso especial no STJ, cujo provimento foi negado. Na decisão, a 5 ª Turma afirmou que a reincidência e os maus antecedentes afastam a incidência do princípio da insignificância. 

Então, a DPMG interpôs habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a reforma do acordão para absolver M.T.M. da acusação de furto, uma vez que o fato provocou lesão mínima, o que invalida a tipicidade material. 

Em decisão monocrática datada de 30 de novembro último, a ministra Cármen Lúcia, relatora do processo, reconheceu a incidência do princípio da insignificância pelas circunstâncias específicas do caso e restabeleceu a sentença do juízo da Vara Criminal de Bambuí, que havia absolvido M.T.M. em 2019. 

“As circunstâncias apresentadas, o caráter fragmentário do Direito Penal e, especialmente, a mínima lesividade da conduta praticada pelo agente conduzem ao reconhecimento de ausência de dano criminal efetivo ou potencial ao patrimônio da vítima, ensejando o reconhecimento da atipicidade material da conduta, pela ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal”, afirmou a ministra na decisão. 

Na decisão, a ministra pontua a reincidência do assistido, porém reconhece a mínima ofensividade da conduta e a ausência de periculosidade social decorrente da ação. 

“Não se desconhece a reincidência específica do agente, mas, em relação ao fato delituoso, objeto do presente processo, está evidenciada a inexpressividade jurídica e econômica da conduta para os fins de subsunção do fato aos ditames penais, com os contornos comprovados”, afirmou na decisão a ministra Cármen Lúcia. 

Modelo penal de aporofobia social 

Esta não foi a primeira vez que a Defensoria Pública de Minas Gerais atuou até as instâncias superiores para conseguir a absolvição de pessoas que fizeram furtos insignificantes, seja para se alimentar ou para conseguir itens básicos de higiene, como em diferentes situações em que foram subtraídos quatro pacotes de fraldas, dois steaks de frango e dois desodorantes. 

Em outro caso semelhante recente, a DPMG chegou até o STJ defendendo um assistido também acusado pelo furto de duas galinhas. Empatado na 6ª Turma, o voto decisivo foi proferido no último dia 28 de novembro pelo ministro Teodoro Silva Santos, que reconheceu a insignificância. 

A defensora pública Adriana Patrícia Campos Pereira, coordenadora do Núcleo da DPMG de Atuação junto aos Tribunais Superiores, considera que a seletividade do sistema penal acaba atingindo também pessoas que às vezes fazem esses pequenos furtos para sobreviver por conta de alimentação. 

“Por que alguém furta duas, quatro galinhas, senão para se alimentar? Uma pessoa que furta dois desodorantes provavelmente está em situação de rua, não tem como tomar um banho. Em sua grande maioria, os tribunais proferem condenações por questões mínimas em crimes ligados à pobreza. Condutas desse tipo contribuem para a criminalização da pobreza e para a aporofobia”, considera Adriana Patrícia Campos Pereira. 

Princípio da insignificância 

Levantamento realizado pelo Núcleo de Atuação junto aos Tribunais Superiores considerando o período de agosto de 2017, data da instalação do Núcleo, até dezembro de 2022, revela expressiva quantidade de ordens de habeas corpus concedidos, no todo ou em parte, envolvendo a aplicação do princípio da insignificância. 

Das 150 ordens concedidas, 69 tiveram como fundamento o princípio da insignificância penal, quase a sua totalidade relacionada a crimes patrimoniais (furto e apropriação indébita). 

No entendimento de Adriana e Pereira e do defensor público Flávio Wandeck, que também atua no Núcleo, e que consta no estudo, o dado revela a “disfuncionalidade e seletividade do Direito Penal no país, focado em condutas inexpressivas e que envolvem majoritariamente os necessitados, como furtos de gêneros alimentícios, produtos de limpeza ou outras mercadorias de menor valor, em sua maioria devidamente restituídas a vítima”. 

Alessandra Amaral – Jornalista DPMG. 

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