Defensorias Públicas de Minas e da União promovem roda de conversa para garantia dos direitos de crianças e adolescentes Warao  

Por Assessoria de Comunicação em 3 de julho de 2023

Uma nova roda de conversas com refugiados indígenas da Comunidade Warao que vivem em Belo Horizonte foi realizada neste sábado (1º/7) na Unidade I da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG). O encontro foi promovido pela DPMG em parceria com a Defensoria Pública da União (DPU) e a Casa Común Del Pan. 

A roda de conversa, realizada no auditório, no foyer e na sala de atendimento, teve como objetivo a abordagem de temas ligados à proteção de crianças e adolescentes, deveres e direitos dos pais e responsáveis, além de situações habituais que envolvem os núcleos familiares, bem como a rede de proteção e o sistema geral de justiça.  

O atendimento aos Warao foi dividido em dois grupos, no auditório e no foyer da Unidade I – Fotos: Marcelo Sant’Anna/DPMG

A coordenadora Estratégica de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDEDICA), da DPMG, defensora pública Daniele Bellettato destacou o trabalho e a importância do alinhamento de regras e práticas envolvendo culturas tão distintas.  

“A ideia desse segundo encontro foi explicar para os indígenas Warao as regras e as leis que a gente tem no Brasil, especialmente de proteção dos direitos da criança e adolescente. Desde que eles começaram a chegar ao país, os primeiros problemas que surgiram aqui em Belo Horizonte foram justamente pelos cuidados com as crianças”, avaliou a coordenadora. 

Daniele Bellettato fez questão de detalhar algumas das práticas e costumes adotados pela Comunidade Warao, considerados conflitantes com a legislação brasileira. Questões envolvendo união matrimonial, gravidez precoce, saúde e educação.  

Daniele Bellettato: “alinhamento de regras de culturas tão distintas”

“O Conselho Tutelar acionava muito a Defensoria Pública porque eles costumavam ir para os semáforos pedir dinheiro com as crianças. Isso, na cultura Warao, faz parte do que eles chamam de coleta e, para a gente aqui, é exploração da criança. E isso gerou muitos conflitos”, exemplifica a defensora pública.  

Segundo ela, um dos objetivos dos encontros com a comunidade é justamente passar para os indígenas como é a cultura no Brasil. “O respeito às crianças, aos adolescentes e evitar situações de casamento infantil, porque, na cultura deles, uma menina que inicia o ciclo menstrual já pode ser casada pela família, que escolhe alguém para que ela se torne esposa, num matrimônio consumado, apenas, pelo ato sexual, sem uma cerimônia específica”, conta Daniele Bellettato.  

Ela relata que há meninas Warao de 11 e 12 anos grávidas. E daí se cria um problema sério já que, no Brasil, abaixo dos 14 anos há a presunção de vulnerabilidade, o chamado estupro presumido ou estupro de vulnerável.  

“E quando chegam aos hospitais e postos de saúde, essas meninas se deparam com membros da rede de atenção que, ao lidarem com situações dessa natureza, vão iniciar um trabalho de proteção para essas jovens mães. E essa condição acaba impondo responsabilização criminal dos pais desses bebês, então maridos. E para os Warao é muito difícil compreender essas regras”, diz a defensora pública. 

Outra frente de atuação da DPMG junto à comunidade se refere aos cuidados com a saúde. Pela cultura indígena, os Warao não tomam medicamentos, nem vacinas, por entenderem que isso viola o corpo. Condição que dificulta o trabalho dos profissionais da saúde diante da resistência em seguir os cuidados médicos recomendados.  

A educação é outro ponto importante. Quando os Warao chegaram ao Brasil, houve grande resistência por parte dos pais em levarem as crianças para as escolas, já que não estão acostumados a ficar afastados delas. “Então, o aspecto cultural é algo muito difícil de ser superado. Nossa esperança é que com a informação isso fique um pouco mais fácil”, afirma Daniele Bellettato. 

Eden Mattar: “É um desafio entendermos e respeitarmos os direitos deles”

Rodas de conversa 

Para condução dos trabalhos, duas rodas de conversa foram montadas em ambientes separados. No auditório, os homens acompanhados pela defensora pública Daniele Bellettato. Já no foyer, mulheres, crianças e adolescentes orientadas pela representante da Defensoria Especializada dos Direitos da Criança e do Adolescente – área Cível (DEDICA-Cível), em Belo Horizonte, defensora pública Eden Mattar.  

Para os mais de cem participantes do encontro foi entregue um questionário abordando questões envolvendo o trato dos pais indígenas venezuelanos com os filhos e com as esposas na perspectiva do respeito, da não violência, bem como do entendimento dos direitos e deveres que precisam ser observados no Brasil.  

As atividades contaram com o apoio de tradutores da comunidade Warao, além de estagiárias e estagiários da Defensoria Especializada dos Direitos da Criança e do Adolescente, bem como o apoio da coordenadora do Centro Psicossocial da DPMG, psicóloga Raquel Azevedo, e da assistente social Milian Scos.  

Enquanto pais Warao discutiam temas de relevância para os filhos, crianças indígenas participaram de uma ação de entretenimento promovida de maneira voluntária pelo projeto social Liga da Justiça. 

‘Uma escola para todos nós’ 

“Antes de falarmos dos desafios que os indígenas da comunidade Warao têm no Brasil, esse trabalho é uma escola pra todos nós. É um desafio entendermos os direitos humanos e respeitarmos esses direitos deles. Como? Não invadindo as culturas, as ancestralidades, os hábitos, os desejos, as formas de agir dessa parte da população”, afirma a defensora pública Eden Mattar.  

Segundo ela, são culturas que, muitas vezes, se chocam com a do país de destino. “E aqui nós percebemos isso. Existem hábitos deles que são, para nós, crimes. Então, como nós podemos adaptar o nosso agir com o agir deles sem que afrontemos as culturas deles e que eles, também, não afrontem as nossas leis, as nossas culturas?”, indaga a defensora pública Eden Mattar.  

Espaço de entretenimento para as crianças Warao durante a atendimento na DPMG

Os esforços foram destacados pela defensora pública federal Sabrina Nunes Vieira, representante da DPU nas rodas de conversa. “Eu acompanho esse trabalho desde Pacaraima, fronteira da Venezuela com o Brasil. No início da migração, entre 2016 e 2017, os Warao entravam no Brasil e ficavam mais ao norte do País. Em fevereiro de 2020, fui surpreendida com o primeiro grupo que chegou a Belo Horizonte”, conta. 

Segundo Sabrina Vieira, graças ao trabalho integrado entre as instituições, os acolhimentos em Belo Horizonte, feitos por um grupo interinstitucional, conseguem identificar e dar andamento, de forma extrajudicial, às demandas da comunidade. “Atuações como esta contribuem para que seja trabalhada, dentro do limite dessa diversidade existente, a integração com esses povos que estão aqui”, diz a representante da DPU.                                                              

Há doze anos no Brasil e uma das lideranças indígenas Warao, a jornalista Yolis Lyon tem sido fundamental para a quebra de uma das mais difíceis fronteiras na troca de informações: o entendimento da língua portuguesa, já que a maioria dos indígenas só se comunica pelo dialeto oficial Warao.  

Yolis celebra a ação conjunta. “É um trabalho inédito”, diz ela. “Em outras partes do Brasil não existe essa educação com os refugiados da comunidade Warao. Por desconhecerem as leis brasileiras, em outras regiões as comunidades ficam em enorme conflito de interesses, sem orientação. Parabenizo as Defensorias Públicas por esse trabalho magnífico que vem fazendo”, completa.   

Equipe que trabalhou no atendimento à comunidade Warao

Comunidade Warao  

 A Comunidade Tradicional Indígena Warao é originária do Delta do Orinoco, na Venezuela. O nome significa “povo da água”. Estes imigrantes estão no Brasil desde 2014 e, em Minas Gerais, desde 2017, em decorrência da crise política e econômica no país de origem.  

A ACNUR estimou, em 2019, cerca de 49 mil Waraos, computados em situação de trânsito, migração e refúgio. Destes, cerca de 800 vivem em Minas Gerais e metade dessa população em Belo Horizonte. 

A DPMG, ante ao alto grau de vulnerabilidade da população Warao, presta atendimento ao grupo. Atua com base nos documentos internacionais ratificados pelo Brasil e nas normas nacionais de amparo aos refugiados e das comunidades tradicionais indígenas, buscando a garantia de acesso à cidadania por parte dessa população, como por exemplo, por meio da promoção de eventos educativos para informá-los sobre seus direitos.       

Jacques Leal – Jornalista/DPMG.  

Compartilhar com:
Tags:

OUTRAS NOTÍCIAS RELACIONADAS

Utilizamos cookies neste site para: melhorar a funcionalidade, personalizar a experiência de navegação, analisar o tráfego e para efeitos de marketing e publicidade personalizada. Veja nossa Política de Privacidade.

Cookies estritamente necessários: São aqueles cookies que permitem a você navegar pelo site e usar recursos essenciais, como áreas seguras, por exemplo. Esses cookies não guardam quaisquer informações sobre você que possam ser usadas em ações de comunicação de produto ou serviço ou para lembrar as páginas navegadas no site.

Os cookies de estatísticas, ou análises, traduzem as interações dos visitantes em relatórios detalhados de comportamento, de maneira anônima.

Os cookies ajustam o site a serviços de terceiros, como links em redes sociais, comentários, chatbots, etc.

Os cookies ajustam o site a serviços de terceiros, como links em redes sociais, comentários, chatbots, etc.

Os cookies ajustam o site a serviços de terceiros, como links em redes sociais, comentários, chatbots, etc.

A opinião do cidadão é importante para a constante melhoria dos serviços. Para críticas, sugestões ou esclarecer dúvidas, Fale com a Defensoria.