Ao analisar recurso, 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça lamentou ter que decidir sobre ‘situação absurda’ e insignificante
A 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou ação penal em que um assistido da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) foi condenado por furtar de um supermercado dois steaks de frango no valor de R$ 2 cada.
Por unanimidade, a turma deu provimento ao recurso ordinário interposto pela Defensoria mineira, reconhecendo a insignificância e o réu primário. A turma lamentou a Corte ter que decidir sobre uma “situação absurda”.
O julgamento aconteceu na terça-feira (1/6) e a defesa do assistido foi feita pelo defensor público Flávio Wandeck, que atua no Núcleo de Atuação da DPMG Junto aos Tribunais Superiores em Brasília.
Após a decisão do relator, Flávio Wandeck também comentou que é lamentável a Corte ter que se debruçar sobre um caso de um furto cometido por réu primário, de R$ 4, em que duas instâncias do tribunal e a primeira instância entenderam que não é um fato insignificante.
O caso
C. R. F. H. foi preso em flagrante pela Polícia Militar em 2017, em Araxá, na Região do Triângulo Mineiro. O delegado de Polícia que atuava no plantão não ratificou a prisão, com base, dentre outros, na miséria que se encontrava o acusado.
Os autos do inquérito foram relatados e remetidos para o órgão acusador, que entendeu que o caso era relevante e denunciou C. R. F. H..
O juiz, ao analisar a denúncia, entendeu que não era o caso de rejeitá-la e a recebeu.
C. R. F. H. não foi localizado e os autos foram para a Defensoria Pública de Minas Gerais.
Analisando os autos e notando o inexpressivo valor do bem que o assistido foi acusado de furtar, assim como o fato de ser primário e não ter antecedentes, a Defensoria Pública de Minas Gerais, por meio do defensor público Antonio Moni, de Araxá, impetrou habeas corpus, “até para evitar desperdício de verba pública”.
O próprio órgão acusador, em segunda instância, entendeu que era o caso de conceder a ordem e encerrar o processo no qual C. R. F. H. era acusado.
Mesmo assim, dois de três desembargadores entenderam que o caso era de manter o processo, com o argumento de que essa análise só poderia ser efetuada ao final do processo.
Não se conformando com a decisão, o defensor público Antonio Moni, desta vez atuando como cooperador na Defensoria Especializada de Segunda Instância e Tribunais Superiores – Criminal (Desits-Crim), entendeu por bem interpor recurso e fez com que a demanda chegasse até o STJ, que decidiu pelo trancamento da ação.
Desabafo
Durante a sessão da 6ª turma desta terça-feira, o ministro Sebastião Reis, do STJ, ressaltou dados que coletou nos últimos tempos da quantidade de processos no âmbito penal no órgão e desabafou: “Quanto se gastou com esse processo? Do jeito que está não é possível continuar mais. É humanamente impossível julgar tudo”.
De acordo com levantamento feito pelo defensor público Antonio Moni, publicado em sua tese de mestrado, de fevereiro de 2018 a setembro de 2020 o Tribunal de Justiça de Minas Gerais julgou 268 recursos de apelação das sentenças que foram proferidas. O dado é referente a processos nos quais houve atuação apenas da Defensoria Pública em Araxá.
Destes 268 recursos interpostos pela DPMG em Araxá, 228 foram providos, ainda que parcialmente, o que aponta para um percentual de provimento de 85%, ou seja, de cada 100 recursos interpostos, 85 resultaram em reformas da sentença.
No mesmo período, o Ministério Público estadual interpôs 121 recursos. Destes, 77 não foram nem parcialmente providos. Ou seja, de cada 10 recursos interpostos pelo Ministério Público, menos de quatro são providos.
Na visão de Antonio Moni, “os dados demonstram, por um lado, o grau de eficácia da Defensoria Pública na defesa da pessoa em situação de vulnerabilidade. E, de outro, a efetiva preocupação com o erário, visto que o alto grau de provimento demonstra a realização de prognóstico, quanto à possibilidade de provimento do recurso”.
“Por fim, importante dizer que esses recursos interpostos resultaram em mais de 324 anos a menos de pena aos assistidos. Se por um lado, isso é importante para a pessoa em situação de vulnerabilidade, por outro também é importante para o Estado, que deixou de gastar uma enorme cifra de verba pública, aproximadamente, R$ 11 milhões, se consideramos o custo de R$ 3 mil por mês para o sistema penitenciário”, finaliza o defensor público Antonio Moni.
Alessandra Amaral – Jornalista DPMG