A garantia de cidadania e direito ao voto de pessoas transexuais e travestis que readequaram prenome e gênero em seus registros civis durante o prazo de fechamento do cadastro eleitoral têm sido alvo de atuação da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG).
Alinhado ao trabalho de promoção de mutirões ligados às identidades LGBTQIA+, defensores e defensoras públicas da capital e do interior enviaram ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MG) consulta para garantir o direito de voto das pessoas transgênero que retificarem o prenome em seus documentos no período de fechamento do cadastramento eleitoral, ou seja, dentro do prazo de 150 dias que antecedem as eleições de 2022.
Segundo um dos defensores públicos que assinaram o ofício – Paulo Cesar Azevedo de Almeida – que também é coordenador estratégico em Tutela Coletiva – “as pessoas trans que participarem de mutirões da DPMG e fizerem a readequação de prenome e gênero no registro civil devem ter assegurado o direito de voto, apesar da discrepância entre o documento de identidade e o título eleitoral, provocada pelo período de fechamento de cadastro. Essa atuação da Defensoria busca garantir a efetiva participação política e cidadã de pessoas LGBTQIA+, superando a invisibilidade e a exclusão que atingem historicamente esse grupo. Não há melhor maneira de se celebrar o Mês do Orgulho”, disse o defensor público.
O documento foi encaminhado ao desembargador vice-presidente e corregedor-geral do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, Maurício Torres Soares, assinado por Paulo Cesar Azevedo em conjunto com o também defensor público Evaldo Gonçalves da Cunha e as defensoras públicas Cyntia Blanco Cassebe Basetto, Bárbara Silveira Machado Bissochi e Caroline Loureiro Goulart Teixeira, esta chefe de Gabinete da Defensoria-Geral.
Defensoras e defensores públicos sustentaram a consulta na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que “numa ação direta de inconstitucionalidade, reconheceu o direito da pessoa transexual à alteração do prenome e do marcador de gênero no registro civil, independentemente da realização prévia de qualquer cirurgia, tratamento hormonal, emissão de laudo médico ou psicológico ou de procedimento judicial, em respeito ao direito da pessoa ao nome, à personalidade, à liberdade, à honra e à vida privada, com a finalidade de exposição a situações vexatórias e atentatórias à sua dignidade”.
Mutirões da DPMG em favor da comunidade LGBTQIA+
O envio do documento de consulta ao TRE mineiro ganhou relevância, em razão da promoção do 1º Mutirão Regional de Alteração de Prenome e Gênero das Pessoas Trans, ocorrido simultaneamente nas unidades da DPMG nas comarcas de Uberlândia, Patos de Minas e Ituiutaba, entre os dias 20 e 24 de junho de 2022.
Segundo defensoras e defensores públicos, o evento – realizado em parceria com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), por intermédio do Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania (Cejusc) – teve o objetivo de garantir à população hipossuficiente o direito à modificação do prenome e do gênero de pessoas trans de forma gratuita. Tais alterações poderiam ser feitas diretamente em cartório, mas de forma onerosa.
Para os defensores e as defensoras públicas, a mobilização garante a cidadãos e cidadãs transexuais e travestis o pleno reconhecimento de sua personalidade, a promoção de dignidade da pessoa humana e a salvaguarda contra discriminação e situações vexatórias. Mas para além do mutirão, é preciso garantir que a divergência documental com o título de eleitor não impeça a participação política, ou seja, o direito de votar e de ser votado.
Garantia de direitos e cidadania
Na consulta enviada pela DPMG ao TRE-MG são levantadas questões de natureza variada. Questiona-se sobre a possibilidade de haver a modificação do prenome e gênero das pessoas trans em seus respectivos títulos de eleitores, após o período limite de 4 de maio de 2022 (prazo em que se inicia o fechamento de cadastro eleitoral, conforme art. 91, da Lei 9.504).
Indaga-se, ainda, quais documentos devem ser exibidos pela pessoa transgênero aos mesários, no dia da eleição, a fim de se evitar embaraços ao exercício do direito ao voto, por divergência de dados entre o título de eleitor e demais documentos civis retificados.
Outro questionamento enviado é quanto à existência de capacitação dos servidores do Disque-Eleitor sobre a forma como transexuais e travesti devem ser orientados sobre referido assunto, bem como se os mesários estão sendo devidamente preparados para evitar eventuais impedimentos ao regular exercício do direito ao voto por pessoas transgênero.
Esclarecimentos do TRE
A resposta do Tribunal foi enviada à Defensoria no último dia 23 de junho. O despacho, assinado pela juíza auxiliar da Vice-Presidência e Corregedoria Regional Eleitoral em exercício, Cristiana Gualberto, esclareceu que o fim do prazo de alistamento eleitoral e/ou atualização de dados do cadastro eleitoral, estabelecido no período limite de 150 dias anteriores às eleições, está mantido, não sendo possível a retificação do título.
Quanto à capacidade eleitoral ativa, a pessoa transgênero que já houver incluído seu nome social no Cadastro Nacional de Eleitores poderá utilizar seu título de eleitor/aplicativo e-título acompanhado de documento original com foto ou fazer ainda – apenas – uso do aplicativo, caso já possua biometria coletada.
No caso da pessoa transgênero – que não possua nome social declarado no Cadastro Nacional de Eleitores, mas que tenha alterado o nome e o gênero em seu registro civil após o fechamento do cadastro, será possível o exercício do voto com a apresentação da documentação anterior à alteração.
Nessa situação, caberá à pessoa que preside a mesa receptora de votos resolver a eventual dúvida sobre a identidade do eleitor ou da eleitora, a partir de indagações sobre os dados do título, do documento oficial ou do caderno de votação; além de confrontar a assinatura constante desses documentos com aquela feita pela cidadã ou cidadão na sua presença.
Há ainda a possibilidade de validação da identidade por meio do reconhecimento biométrico na urna eletrônica, quando disponível. Se persistir a dúvida ou for mantida impugnação sobre a identidade da pessoa, o (a) presidente da mesa receptora de votos solicitará a presença da juíza ou do juiz eleitoral para tomar a decisão.
Documentação a ser apresentada
Em outro ponto abordado pela Defensoria quanto aos documentos que devem ser exibidos pela pessoa transgênero aos mesários, no dia eleição, a fim de se evitar embaraços ao voto, o TRE-MG esclareceu que a pessoa transgênero sem nome social declarado, mas que tenha alterado o nome e o gênero em seu registro civil após o fechamento do cadastro, poderá obter certidão circunstanciada perante o Cartório Eleitoral, atestando a ocorrência da readequação dos documentos de identidade naquele período.
Ademais, destaca-se que os documentos de identificação que devem ser exibidos pela pessoa transgênero são os mesmos exigidos de qualquer pessoa, com a ressalva de que seria desejável – mas não exigível – que, adicionalmente, fosse apresentado documento com os dados antigos, coincidentes com os dados constantes do cadastro de eleitores: e-título, se constar foto; carteira de identidade, identidade social, passaporte ou outro documento de valor legal equivalente, inclusive carteira de categoria profissional reconhecida por lei; certificado de reservista; carteira de trabalho ou carteira nacional de habilitação.
Preparação dos servidores
Na visão da Defensoria Pública, é fundamental que haja preparo dos servidores do disque-eleitor (canais telefônicos), para que prestem orientações claras às cidadãs e aos cidadãos a respeito de como se dará o exercício do direito ao voto pela população transexual ou travestis. Tal capacitação evita constrangimentos e impede que ocorram eventuais embaraços para que tais pessoas desempenhem sua legítima manifestação nas urnas. O preparo específico também deve atingir os mesários espalhados por todos país, para que se supere a exclusão política histórica que atinge a população LGBTQIA+.
Para as defensoras e defensores públicos que assinaram a consulta, a discussão de temas dessa natureza, como a garantia do direito ao voto das pessoas transexuais e travestis, é de fundamental importância para a efetiva superação do estado de subcidadania, exclusão e marginalização a que pessoas LGBTQIA+ foram por tanto tempo expostas.
Jacques Leal – Jornalista DPMG