Defensoria Pública de Minas Gerais celebra 48 anos acompanhando a evolução da sociedade brasileira
No próximo dia 4 de agosto a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) completa 48 anos de criação. Para marcar a data apresentamos a linha do tempo histórica, ilustrando como a Instituição evoluiu simultaneamente à evolução da sociedade brasileira no período.
Muitas mudanças aconteceram de 1976 até os dias de hoje, período em que diversas leis foram criadas ou alteradas, estabelecendo direitos e deveres, especialmente com relação aos direitos humanos.
A DPMG nasceu durante o regime militar, numa época em que a falta de virgindade da mulher era motivo para o homem pedir anulação do casamento. Hoje, o princípio da afetividade é pilar das relações familiares, a mulher dispõe de instrumentos de proteção, assim como crianças, adolescentes, pessoas idosas, pessoas com deficiência, negros, gays e muitos outros segmentos da sociedade.
Ao longo desses anos e cada vez mais, a Defensoria Pública mineira tem se consolidado como uma Instituição que, ao lutar por direitos da população, repercute na pacificação de conflitos em toda a sociedade.
Executando seu segundo Planejamento Estratégico para o período de cinco anos, a DPMG atua para ser ainda mais efetiva em suas ações, tendo contabilizado mais de 8,3 milhões de prestações jurídicas, entre judiciais e extrajudiciais no ano de 2023.
Com orgulho e alegria, a Defensoria Pública de Minas Gerais, segue desde 1976 de mãos dadas com a sociedade, trabalhando para que o acesso à Justiça e a efetivação de direitos alcancem todas as cidadãs e cidadãos mineiros.
Acompanhe abaixo a linha do tempo de algumas das principais mudanças legislativas ao longo dos últimos 48 anos, que impactaram e impactam a vida das pessoas, em paralelo com um recorte da evolução institucional da DPMG neste período.
Anos 70: caminho para a redemocratização
Na década de 70, o Brasil vivia sob a ditadura militar e só nos anos 80 iniciaria o processo de redemocratização.
Embora a assistência judiciária já existisse desde 1946, em Minas Gerais a denominação Defensoria Pública surge apenas em 1976 com o Decreto 18.025.
No Brasil, diversas legislações surgiam, reconhecendo e ampliando direitos.
No apagar das luzes de 1977 foi promulgada a Lei do Divórcio. Até o dia 26 de dezembro de 1977, as mulheres permaneciam legalmente presas aos casamentos, mesmo que fossem infelizes. Somente a partir da Lei 6.515/1977 é que o divórcio se tornou uma opção legal no país.
Em 1979, foi promulgada a Lei da Anistia (Lei 6.683), preparando o caminho para o fim da ditadura militar.
No mesmo ano, foi aprovado o 2º Código de Menores. Ele trazia a doutrina da situação irregular, que ainda se baseava na legislação anterior de 1927. Mais tarde inspirou a concepção futura do ECA, mas
O início da década de 80 marcou a virada democrática no Brasil.
Em 1981, a edição do Decreto 21.453 cria a carreira de defensor público e disciplina a organização e o funcionamento da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais.
Anos 80: novos contornos com a Constituição Cidadã
Em 1984, atualização do Código Penal e a Lei de Execução Penal (Lei 7.210) estabeleceram um marco para um cumprimento de pena de forma humanizada, visando a inserção dos presos no convívio social, propiciando-lhes novas espécies de penas, assim como a progressão de regimes penais para que a prisão fosse também ressocializadora.
Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil. Após 21 anos de regime militar, o país recebia uma constituição que garantia a liberdade de pensamento, o Estado Democrático de Direito e a justiça social.
Com a Constituição Federal de 1988, a Defensoria Pública passa a ganhar novos contornos. Pela primeira vez a Instituição ganha assento constitucional. Os princípios do acesso à Justiça e da assistência jurídica gratuita são alçados à categoria de direitos fundamentais, e o texto constitucional faz a opção expressa pelo modelo público de assistência, com a criação da Defensoria Pública no artigo 134.
A denominada Constituição Cidadã ampliou muito a proteção aos direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos e foi a primeira a permitir a participação popular na sua elaboração.
Foram muitos os avanços trazidos pela nova Constituição brasileira.
A igualdade entre homens e mulheres passa a ser reconhecida.
O artigo 277 da CF torna-se base para a criação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Traz uma profunda mudança de paradigma no Direito de Família. A instituição casamento cede espaço ao afeto. O princípio da afetividade passa a figurar como pilar de todas as relações familiares, ao lado dos princípios da dignidade da pessoa humana e da personalidade.
Promove um avanço significativo no reconhecimento e proteção legal dos direitos das pessoas idosas no Brasil. Estabelece a Previdência Social para a população idosa, proíbe a discriminação por idade e promove a igualdade de direitos e deveres entre jovens e idosos.
Confere status constitucional à proteção ao meio ambiente.
A Constituição do Estado de Minas Gerais, por sua vez, editada em 21 de setembro de 1989, também passa a prever a Defensoria Pública no texto constitucional.
No mesmo ano, é promulgada a Lei do Racismo. A Lei 7.716/1989 pune todo tipo de discriminação ou preconceito, seja de origem, raça, sexo, cor, idade.
Anos 90: proteção às crianças, idosos e consumidores
Instituído pela Lei n° 8.078/1990, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, em harmonia com a Política Nacional das Relações de Consumo, que preza pelo atendimento às necessidades dos consumidores, ao respeito à sua dignidade, saúde e segurança, à proteção de seus interesses econômicos, à melhoria da sua qualidade de vida, bem como à transparência e harmonia das relações de consumo.
Em 1990, nasce o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É o marco legal que reuniu reivindicações de movimentos sociais que trabalhavam em defesa da ideia de que crianças e adolescentes são também sujeitos de direitos e merecem acesso à cidadania e proteção.
No ano seguinte, a Lei 8.242/1991 cria o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). É o principal órgão do sistema de garantia de direitos.
A ONU instituiu em 1991 a Carta de Princípios para Pessoas Idosas, tendo como base quatro segmentos para a valorização da pessoa idosa: independência, participação, assistência, cuidados e dignidade.
Em 1994, a Lei 8.8842 institui a Política Nacional do Idoso no Brasil, definindo como pessoa idosa aquela maior de 60 anos de idade. E preconizou um atendimento diferenciado às necessidades físicas, sociais, econômicas e políticas dessa população.
No âmbito do Direito de Família, a Lei 8.971, de 1994, vem regular o direito do companheiro ou companheira a alimentos e à sucessão.
Regulamentação
Em 12 de janeiro de 1994 é publicada a Lei Complementar 80/94, que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados. Em Minas Gerais, a regulamentação da Instituição aconteceu somente em 2003, com a Lei Complementar 65/03 que, embora representasse um avanço, manteve a DPMG subordinada ao Poder Executivo.
Dois anos após a criação da Política Nacional do Idoso, em 1996 é criado o Conselho Nacional do Idoso, fundamental para a ampliação dos direitos das pessoas idosas. E, em 1999, a portaria 1.395, do Ministério da Saúde, criou a Política Nacional de Saúde do Idoso (PNSI).
Anos 2000: instrumentos de proteção à mulher e educação inclusiva
Em 2000 é criada a Lei do Aprendiz (Lei 10.097), oportunidade para jovens de 14 a 24 anos, de inclusão social com o primeiro emprego e de desenvolvimento de competências.
A partir de 2002, a “falta da virgindade” deixa de ser motivo para anular o casamento. Apenas no início do século XXI é que o Código Civil brasileiro extinguiu o artigo que permitia que um homem solicitasse a anulação do seu casamento caso descobrisse que a esposa não era virgem antes do matrimônio. Até então, a não virgindade feminina era julgada como uma justificativa aceitável para divórcios.
O Estatuto da Pessoa Idosa foi promulgado em 2003. O marco legal estabeleceu direitos específicos, como a prioridade de atendimento em órgãos públicos, transporte gratuito e medidas de combate à violência e ao abuso. Foi quando surgiu o Benefício da Prestação Continuada, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), garantindo um salário-mínimo a pessoas idosas em situação de vulnerabilidade econômica.
Evolução
A publicação, em 2003, da Lei Complementar 65 regulamentou a Defensoria Pública de Minas Gerais. Desde então, a normativa passou por diversas alterações, sedimentando a autonomia e evolução da Instituição. Anos depois, as Emendas Constitucionais 45/2004 e 80/2014 e a Lei Complementar 132/2009 conferiram um novo desenho para sua arquitetura institucional.
Em 2006, é sancionada a Lei Maria da Penha, legislação que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Um ano antes, em agosto de 2005, a Defensoria Pública de Minas Gerais implantou o Núcleo de Defesa dos Direitos das Mulheres em Situação de Violência Doméstica de Belo Horizonte (Nudem/BH).
Ainda em 2006, ano em que a Defensoria mineira celebrou seus 30 anos, a Constituição do Estado de Minas Gerais foi alterada e passou a reconhecer expressamente a autonomia funcional e administrativa da Instituição. Por outro lado, inúmeras leis também foram editadas para regulamentar seu quadro administrativo.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva foi instituída em 2008 e incluiu estudantes com deficiência em escolas regulares.
A guarda compartilhada veio prevista na Lei 11.698, de 2008, distribuindo entre os genitores a responsabilidade e o exercício de direitos e deveres típicos do poder familiar em relação aos filhos.
Anos 2010: igualdade racial e direitos LGBTQIAN+
Em 2010, a Lei 12.288 instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, principal referência para a elaboração de ações afirmativas em favor da população negra e da pluralidade étnica-racial do Brasil.
No mesmo ano, a Emenda Constitucional nº66 trouxe ao ordenamento jurídico o divórcio direto, retirando a necessidade de causa ou prazo para a concessão do divórcio. Assim, para a dissolução do casamento é apenas preciso a manifestação de vontade de um membro do casal.
Em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por unanimidade, as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, em igualdade de condições em relação às uniões heterossexuais. As relações homoafetivas passaram a ser reconhecidas como entidades familiares. O direito ao casamento foi definitivamente assegurado por meio de resolução do Conselho Nacional de Justiça, que proibiu que cartórios se recusassem a celebrá-lo.
A Lei de Cotas (12.711) foi sancionada em 2012, garantindo a reserva de 50% das vagas em universidades e instituições federais de ensino técnico de nível médio para pretos, pardos, indígenas, pessoas com deficiência e estudantes de escolas públicas.
O VIII Concurso para a Carreira da DPMG realizado entre 2019 e 2020 foi o primeiro certame da Instituição a adotar o sistema de cotas.
Há apenas 10 anos, crianças e adolescentes têm o direito de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante. A conquista veio com a Lei 13.010/2014.
Ainda em 2014, foi promulgada a Lei nº 13.058, que trata do compartilhamento da convivência com os filhos, de forma equilibrada entre os pais, sempre observadas as condições fáticas envolvidas no caso concreto.
No dia 9 de março de 2015, entrou em vigor a Lei do Feminicídio (Lei 13.104), o assassinato de uma mulher resultante de violência doméstica ou discriminação de gênero. A nova legislação alterou o Código Penal e estabeleceu o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Também modificou a Lei de Crimes Hediondos, para incluir o feminicídio na lista.
No mesmo ano, a Lei 13.146 instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Entre outras coisas, garante o atendimento prioritário em unidades de saúde, assento prioritário em transportes públicos e recebimento de restituição do imposto de renda e serviços médicos. A Lei ainda regulamenta a discriminação contra pessoas com deficiência, com reclusão de um a três anos, além de multa.
Em 2016, o Decreto Federal 8.727 tornou obrigatório que órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional reconheçam o nome social e identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais.
O Supremo Tribunal Federal incluiu provisoriamente a homofobia e a transfobia nos crimes da Lei nº 7.716/1989, até que que o Congresso Nacional edite lei que criminalize atos dessa natureza. O Plenário do STF reconheceu a mora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBTQIAPN+.
Expansão
Em 2017, a Defensoria Pública expandiu sua atuação para as instâncias superiores, com a implantação do seu Núcleo de Atuação junto aos Tribunais Superiores, em Brasília. A partir daí, a Instituição passou a atuar nas ações e recursos de seus assistidos desde as comarcas iniciais até as instâncias finais.
Já no ano seguinte, em 2018, a DPMG criou o Núcleo Estratégico de Proteção aos Vulneráveis em Situação de Crise, o que possibilitou uma atuação efetiva e imediata da Instituição no rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, no ano de 2019. Na ocasião a DPMG foi protagonista ao garantir a reparação das vítimas ao elaborar o Termo de Compromisso com a Vale para indenizações extrajudiciais.
A entrada em vigor da Lei nº 13.718 no ano de 2018 representou mais um avanço na luta pela proteção da dignidade social das mulheres, tipificando a importunação sexual como crime.
Anos 2020: mais proteção ao consumidor e crime de racismo
A Lei 14.192 foi criada em 2021 para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher. Estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher ao longo das eleições e durante o exercício de direitos políticos e de funções públicas.
Outro avanço do mesmo ano foi a promulgação da Lei 14.871, que definiu como superendividamento a situação em que o consumidor de boa-fé assume sua impossibilidade de arcar com todas as dívidas que contraiu, sem comprometer o mínimo para sua sobrevivência. Traz medidas importantes para evitar e solucionar o problema do superendividamento, com alterações que alcançam o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso, duas classes muito afetadas por esse tipo de problemas.
Ações estratégicas
A partir de 2021, a Defensoria mineira inaugurou a criação de Coordenadorias de Atuação Estratégica, órgãos de abrangência estadual e incumbidos de promover ações estratégicas em prol dos diversos grupos vulneráveis. Foi mais um movimento institucional adotado com a finalidade de permitir uma atuação expansiva e capaz de atender o maior número de pessoas em situação de vulnerabilidade.
Em 2022 foi a vez da mudança nas regras para laqueadura e vasectomia. A Lei 14.443 tornou dispensável o consentimento do cônjuge para autorizar a laqueadura, em mulheres, e vasectomia, em homens. Uma evolução na garantia de direitos sexuais e reprodutivos. A legislação assegura o direito de escolha, que passa a prescindir da vontade do cônjuge.
A revisão da Lei de Cotas em 2023 trouxe, entre outros aperfeiçoamentos, a inclusão dos quilombolas no grupo de cotistas.
Ainda em 2023, a Lei 14.532 equiparou a injúria racial ao crime de racismo, tornando a pena mais severa com reclusão de dois a cinco anos. Além disso, a injúria racial se tornou um crime inafiançável e sem prazo para que os autores sejam punidos pela Justiça.
Fortalecimento institucional e cidadania
Embora este breve panorama traçado não tenha a intenção de esgotar aqui as legislações que foram criadas nestes últimos 48 anos, nem todo o desenvolvimento normativo e institucional da DPMG, fica clara a evolução do reconhecimento de direitos humanos e fundamentais contemplados em leis, acompanhando as novas demandas da sociedade.
Por outro lado, é preciso garantir que as normas sejam cumpridas e que os direitos proclamados saiam do papel e alcancem a população.
O acesso à Justiça é um dos mais importantes direitos fundamentais elencados na Constituição de 1988, é um dos fundamentos do Estado Democrático e a garantia maior da cidadania. Por isso é essencial que o fortalecimento da Defensoria Pública caminhe ao lado da progressiva complexidade e diversificação da sociedade e suas demandas.
Cidadãs e cidadãos mineiros, contem com a Defensoria Pública de Minas Gerais. Há 48 anos trabalhamos para que tenham acesso à Justiça, aos seus direitos, e à consolidação da cidadania.
Que venham mais anos, que a sociedade siga em seu processo de constante evolução na garantia dos direitos humanos e que um número cada vez maior de pessoas tenha acesso à ordem jurídica justa!
Alessandra Amaral – Jornalista DPMG.
Fontes/referências: Portais Senado Federal, Câmara dos Deputados, Ibdfam, E-GOV UFSC; artigo “Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais: entre o passado e o futuro”, autoria Gustavo Gonçalves Martinho, defensor público-auxiliar da Defensoria Pública de MG.
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