DPMG recomenda que o Município de Belo Horizonte vete Projeto de Lei que proíbe o uso de carroças na cidade a partir de 2026 

Por Assessoria de Comunicação em 31 de outubro de 2023

A Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) expediu recomendação ao Prefeito de Belo Horizonte para que vete o Projeto de Lei n. 545/2023 aprovado em segundo turno neste mês pela Câmara Municipal. 

O PL tem como objetivo reduzir para cinco anos o prazo para extinção das carroças tracionadas por animais em Belo Horizonte, estabelecendo o dia 22 de janeiro de 2026 como data limite. Se sancionada, a proposição vai alterar a Lei Municipal 11.285/2021, que prevê o prazo até 2031 para que os carroceiros substituam os cavalos no exercício de seu trabalho.  

Dessa forma, para buscar de forma administrativa providências para a proteção do patrimônio histórico e cultural do Estado, além de salvaguardar os direitos do grupo atingido, especialmente quanto à preservação e o respeito à sua identidade social e cultural, aos seus costumes, tradições, práticas e valores, a Defensoria Pública instaurou o Procedimento Administrativo de Tutela Coletiva PTAC n. 110.2023, SEI n. 9990000001.005051/2023-17, do qual adveio a recomendação. 

Vícios de inconstitucionalidade  

Na recomendação, a Defensoria Pública aponta diversos vícios de inconstitucionalidade formal que atingem o PL 545/2023, bem como a Lei Municipal 11.285/2021, por violação das competências legislativas da União e por ofensa ao princípio da separação dos poderes. 

A Instituição também aponta inconstitucionalidade material, tanto do PL quanto da Lei 11.285/2021, em razão de ofensa aos direitos e garantias fundamentais, como o direito à proteção do patrimônio histórico e cultural, além de violação aos postulados da liberdade de locomoção, livre iniciativa e exercício do trabalho.  

 
Dentre os argumentos, a Defensoria Pública elenca informações sobre o contexto histórico e modos de vida do coletivo de carroceiros de Belo Horizonte e Região Metropolitana, reconhecido como comunidade tradicional e certificado pela Comissão Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais (CEPCT-MG).  

“Os carroceiros tradicionais utilizam saberes e práticas transmitidas e transformadas ao longo das gerações, mas também incorporam saberes técnicos médico-veterinários e se adequam às normas municipais, estaduais e nacionais que regulam o trânsito e o meio ambiente”.  

 
Em relação aos cuidados com os animais, o documento explicita a distinção entre carroceiros tradicionais e transportadores, ressaltando que o respeito e o afeto entre tutor e animal fazem parte da cultura carroceira. 

Outro ponto destacado é que os maus-tratos contra animais já são coibidos pela legislação, inclusive penal, não sendo necessária a proibição genérica de toda a atividade tradicional carroceira para que a proteção aos animais seja efetivada.  

Racismo ambiental 

 
Em Belo Horizonte, a Lei Municipal n. 10.119/2011 dispõe sobre a circulação de veículos de tração animal e de animais, montados ou não, em via pública e já prevê normas que asseguram a saúde e o bem-estar desses seres vivos não humanos.  

 
A recomendação também alega existência de racismo ambiental contra a comunidade carroceira e explica que o trabalho humano e animal com as carroças não pode ser sinonimizado a maus-tratos.   

 
“A legislação vigente que regulamenta a tração animal no município de Belo Horizonte (Lei Municipal n. 10.119/2011) estabelece as normativas quanto a diversos aspectos técnicos do trabalho carroceiro, tais como os limites máximos de carga, dimensões das carroças e exigências quanto ao cuidado com a saúde e a alimentação dos animais”, diz a recomendação. Dessa forma, segundo pontuado pela Defensoria, basta que o Município fiscalize o respeito a essas regras, não sendo razoável a generalização e a proibição absoluta. 

 
Ainda conforme alegado pela Defensoria Pública no documento, a própria comunidade carroceira se mobiliza no sentido de aprimoramento dos instrumentos legais exigidos para maior garantia de bem-estar e defesa dos direitos animais.  

A recomendação cita que o ofício e modo de vida da Comunidade Tradicional Carroceira são patrimônios culturais de natureza imaterial e, segundo a Constituição Estadual, devem ser protegidos pelo Estado, com a colaboração da comunidade.  

 
Outro ponto é a ausência de consulta prévia à Comunidade Tradicional Carroceira, violando a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho e o desrespeito à Lei Estadual n. 21.147/2014, que criou a Política para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais.  

 
Na recomendação, a Defensoria Pública alerta que “o teor do Projeto de Lei n. 545/2023 tem o condão de levar à extinção tal grupo social, sepultando suas formas particulares de fazer e vier, ao proibir em caráter absoluto e definitivo o uso de carroças na cidade de Belo Horizonte”.  

 
Sob o aspecto da inconstitucionalidade material, a DPMG elenca a violação à liberdade de locomoção, à livre concorrência e ao exercício do trabalho.   

 
“A Lei Municipal e o Projeto de Lei modificativo em comento, a pretexto de coibir maus-tratos a animais, dissociam-se dos casos concretos e proíbem genericamente veículos de tração animal, ainda que o carroceiro, na prática, seja cuidadoso e respeitoso para com seu cavalo”. 

Além disso, o Projeto de Lei elimina, apenas na cidade de Belo Horizonte, uma das modalidades de transporte admitidas em todo o país pelo Código de Trânsito Brasileiro, limitando, assim, a liberdade de locomoção de cidadãos da capital, mas também das cidades do entorno. 

Subsistência 

O documento revela também que milhares de pessoas dependem desses veículos de tração animal para o desempenho de seu trabalho. Desse modo, a proibição do uso de carroças afeta atividades produtivas e laborais dignas e legítimas, das quais inúmeras famílias dependem para a sua subsistência, aprofundando as dificuldades socioeconômicas. 

 
Do ponto de vista dos vícios de inconstitucionalidade formal, tanto a Lei Municipal quanto o PL, ao vedarem o uso de veículos de tração animal no âmbito municipal, instituem uma norma de caráter geral sobre trânsito e transportes, em afronta ao Pacto Federativo e à Constituição Federal, que atribui tal competência legislativa em caráter privativo à União.  

A recomendação destaca que os veículos de tração animal são permitidos pela legislação federal e que, caso um município pudesse, isoladamente, proibir essa modalidade de transporte apenas em sua área geográfica, haveria diversos entraves para a livre circulação no território nacional, especialmente em uma Região Metropolitana, marcada por várias cidades conectadas e adensadas. 

 
Outro aspecto abordado na recomendação é o vício formal de iniciativa da Lei Municipal e do Projeto de Lei, já que foram apresentados por membros do Poder Legislativo, contrariando o princípio da separação dos poderes. 

A Lei Municipal e o PL estabelecem proibições e preveem sanções que exigirão atividades fiscalizatórias, atividades que são impostos a órgãos públicos integrantes da estrutura do Executivo municipal. Desse modo, tanto a norma vigente quanto o projeto aprovado pela Câmara só poderiam ser validamente submetidos ao processo legislativo por iniciativa do próprio Prefeito do Município do Belo Horizonte. 

 
Assim, para evitar graves danos à Comunidade Tradicional Carroceira de Belo Horizonte e Região Metropolitana, grupo social já vulnerabilizado, a Defensoria Pública de Minas Gerais recomenda ao Poder Executivo Municipal que seja exercido o autocontrole de constitucionalidade, de modo que seja vetado integralmente o Projeto de Lei n. 545/2023.  

 
Datada de 27 de outubro, a recomendação fixa o prazo de cinco dias para resposta.  

 
Assinam o documento o Coordenador Estratégico de Tutela Coletiva, defensor público Paulo César Azevedo de Almeida, e a defensora pública Ana Cláudia da Silva Alexandre Storch, em atuação na Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais (DPDH).  

Alessandra Amaral – Jornalista DPMG.

Compartilhar com:
Tags:

OUTRAS NOTÍCIAS RELACIONADAS

Utilizamos cookies neste site para: melhorar a funcionalidade, personalizar a experiência de navegação, analisar o tráfego e para efeitos de marketing e publicidade personalizada. Veja nossa Política de Privacidade.

Cookies estritamente necessários: São aqueles cookies que permitem a você navegar pelo site e usar recursos essenciais, como áreas seguras, por exemplo. Esses cookies não guardam quaisquer informações sobre você que possam ser usadas em ações de comunicação de produto ou serviço ou para lembrar as páginas navegadas no site.

Os cookies de estatísticas, ou análises, traduzem as interações dos visitantes em relatórios detalhados de comportamento, de maneira anônima.

Os cookies ajustam o site a serviços de terceiros, como links em redes sociais, comentários, chatbots, etc.

Os cookies ajustam o site a serviços de terceiros, como links em redes sociais, comentários, chatbots, etc.

Os cookies ajustam o site a serviços de terceiros, como links em redes sociais, comentários, chatbots, etc.

A opinião do cidadão é importante para a constante melhoria dos serviços. Para críticas, sugestões ou esclarecer dúvidas, Fale com a Defensoria.