Por meio da atuação da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), uma aluna com deficiência auditiva, matriculada no primeiro período do curso de Medicina da Fundação de Ensino e Tecnologia de Alfenas – Unifenas, campus de Belo Horizonte, teve garantido o seu direito à educação.
A ação de obrigação de fazer com pedido de indenização por danos morais e pedido de tutela provisória antecipada de urgência foi proposta pelo defensor público Estêvão Machado de Assis Carvalho, coordenador da Defensoria Especializada da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência.
O caso
A estudante tem neuropatia auditiva, patologia que se caracteriza pela dificuldade na compreensão das palavras e da fala das outras pessoas, e faz leitura labial para entender o que os outros dizem.
Aprovada para o curso de Medicina, a estudante trancou sua matrícula por seis meses a pedido da universidade para que a instituição implantasse recursos de acessibilidade e tecnologia assistiva para recebê-la de forma adequada.
Depois desse tempo, a aluna passou a efetivamente a frequentar o curso. Porém, mesmo após o transcurso dos seis meses solicitados a universidade não se preparou de forma adequada para recebê-la.
Devido à pandemia, as aulas estavam sendo oferecidas de forma virtual e a aluna estava com dificuldade para entendimento da fala dos professores e colegas, o que prejudicava severamente sua compreensão das aulas.
A aluna fez vários contatos sem sucesso com a Unifenas, solicitando que fosse contratado o serviço de estenotipia, recurso de tecnologia assistiva adequado ao seu caso, capaz de reproduzir em legendas todas as falas e discussões da aula.
A Defensoria Especializada da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência também enviou ofício à universidade neste sentido.
O recurso oferecido pela universidade – um software que cria as legendas para a aula remota – não foi adequado nem suficiente, já que não consegue captar em tempo real todas as falas da aula.
Desta forma, a aluna continuou sem condições de acompanhar as aulas e absorver o conteúdo ministrado.
A universidade então ofereceu a contratação de tradutor em libras, mas a medida é inadequada para a estudante, que é oralizada, ou seja, aprendeu a falar e, portanto, não foi alfabetizada em libras.
Com a retomada das aulas presenciais na Unifenas, a aluna achou que seu problema estaria resolvido, mas a universidade não aceitou sua solicitação de que professores e alunos fizessem uso de máscaras transparentes para sua melhor compreensão do conteúdo ministrado e interação social.
No entanto, a utilização de máscaras vedadas tem sido fator de exclusão da estudante, que está obrigada a frequentar as aulas em horários separados e de forma individual.
A Defensoria Pública de Minas Gerais ingressou então com ação na 8ª Vara Cível de Belo Horizonte pedindo a concessão da tutela de urgência para determinar que a Unifenas contrate imediatamente o serviço de estenotipia para todas as atividades remotas que a aluna participar.
A DPMG pediu ainda que a universidade adquira máscaras transparentes para todos os professores que ministrarem aulas para a estudante e para todos os seus colegas de sala, possibilitando sua frequência regular nas aulas presenciais.
Em seus argumentos, o defensor público Estevão Machado citou a Lei Brasileira de Inclusão (nº 13.146/15) e a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que foi recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 6949/2009, tendo status de norma constitucional.
Também mencionou o princípio constitucional da isonomia. “A adoção do recurso de acessibilidade adequado ao caso da autora consagra, em última análise, a concretização do princípio constitucional da isonomia, previsto no Art. 5º, da Constituição da República, pois promove a igualdade entre as partes ou, ao menos, tenta reduzir a desigualdade entre elas”.
Acolhimento
O juiz de Direito da 8ª Vara Cível emitiu decisão no dia 28 de junho, acolhendo parcialmente a tutela de urgência e deu prazo de 30 dias para a universidade implantar o serviço de estenotipia para todas as atividades remotas que a estudante participar. O magistrado fixou a aplicação de multa diária de R$ 200, limitada a R$ 20 mil, a ser revertida em favor da aluna.
Em sua decisão, o juiz mencionou a relação de consumo entre as partes e afirmou que a Instituição de Ensino Superior deve prestar os serviços de forma íntegra, fornecendo as condições físicas, materiais e ambientais de desenvolvimento do curso, de acordo com os preceitos basilares da legislação consumerista.
Além disso, o magistrado citou que a educação e a igualdade (em sua dimensão material) são direitos fundamentais que “impõem às instituições de ensino a dispensa de tratamento diferenciado a quem apresente condições físicas e mentais que reclamem atendimento particular e individualizado”.
Alessandra Amaral / Jornalista DPMG