Defensorias Públicas de Minas e da União reúnem indígenas refugiados em roda de conversa para orientar e garantir direitos

Por Assessoria de Comunicação em 8 de maio de 2023

Rodas de conversas trataram de temas como violência doméstica, tráfico de pessoas, leis de imigração no Brasil, entre outros – Fotos: Marcelo Sant’Anna/DPMG

Violência doméstica e familiar contra as mulheres. Os direitos e deveres das pessoas refugiadas no Brasil. O tráfico de pessoas. Estes foram alguns dos temas abordados e discutidos na manhã do último sábado (6/5) durante um encontro promovido pela Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), em parceria com a Defensoria Pública da União (DPU), com integrantes da comunidade indígena venezuelana Warao, que vivem em Belo Horizonte.

O evento reuniu no auditório, no foyer e na Sala de Atendimento da Unidade 1 da DPMG homens, mulheres e crianças Warao, que desde 2017 vivem em Belo Horizonte, após migrarem em decorrência da crise política, econômica e social ocorrida no país vizinho. Houve também a participação da Casa Común del Pan.         

Para o desenvolvimento das atividades, duas grandes rodas de conversa foram organizadas sob a orientação da coordenadora Estadual de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (CEDEM), da DPMG, defensora pública Samantha Vilarinho Mello Alves, e da defensora pública em atuação na Defensoria Especializada dos Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais, além de membra do Comitê Estadual de Atenção ao Migrante, Refugiado e Apátrida de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Erradicação do Trabalho Escravo (Comitrate-MG), Rachel Passos.

Também participaram dos trabalhos a defensora pública da União e membra do Grupo de Trabalho Nacional de Migração, Refúgio e Apatridia (GTMAR), Lutiana Valadares Fernandes Barbosa, a coordenadora do setor Psicossocial da Defensoria de Minas, psicóloga Raquel Azevedo, e a assistente social do setor, Milian Scos.

Trabalhos foram divididos em rodas de conversas com indígenas homens e mulheres em ambientes diferentes

Numa das rodas de conversa, com a ajuda de tradutoras, em razão do dialeto praticado pela comunidade Warao, e sob o olhar atento, as mulheres Warao – algumas amamentando – conheceram de maneira mais criteriosa a Lei Maria da Penha, bem como suas aplicações na legislação brasileira no contexto prevenção à violência doméstica e familiar no país. As defensoras públicas abordaram os tipos de violência praticada contra mulheres e os mecanismos de defesa oferecidos pelo poder público para combater tais práticas abusivas e criminosas.

Em meio às barreiras do ruído provocado pela diferença de idiomas, aos poucos o silêncio atencioso foi substituído com as primeiras indagações e questionamentos sobre o tema nesta iniciativa voltada para instruir, informar, orientar e aproximar a tradicional comunidade, altamente vulnerabilizada, quanto à promoção e garantia de acesso a direitos sociais e serviços públicos, dentre outros temas que garantam aos membros da comunidade a plena condição de cidadania. 

Várias barreiras

“A roda de conversa tem grande importância porque o objetivo dela é o de trazer conhecimento jurídico, claro que em linguagem muito acessível, para pessoas que não são brasileiras, são refugiadas venezuelanas, e, além de tudo, são indígenas que ainda têm um idioma próprio da comunidade delas e deles”, disse a defensora pública Samantha Vilarinho. “Então existem várias barreiras: a da língua, a do idioma, da nacionalidade e diversas outras, para que eles e elas conheçam o nosso regramento jurídico. E, além disso, a gente tem que contrapor a cultura dessas pessoas que, às vezes, tolera ou permite ou aceita o incentiva determinadas práticas e condutas que, no direito brasileiro, são proibidas”, completou.         

Enquanto isso, em outro espaço, os indígenas homens também eram orientados quanto aos direitos e deveres envolvidos na condição de imigrantes. Dentre as abordagens, o artigo 231 da Constituição Federal do Brasil, que garante direitos a estas comunidades e sua organização social, bem como costumes, línguas crenças e tradições. Foi abordada ainda a Lei 13.445, de 2017, que estabeleceu novos patamares sobre a imigração, com temas voltados para os direitos das pessoas migrantes e os princípios da política migratória brasileira.

“Os processos de educação em direitos humanos são muitos importantes para a construção conjunta e a consciência dos direitos dos migrantes. A Defensoria Pública da União atua em nível nacional e é muito relevante que essas pessoas saibam quais direitos estão previstos na Lei de Imigração. Por exemplo, que é vedada qualquer forma de xenofobia, de que elas têm direito à regularização migratória e o direito a reunião familiar”, relatou a defensora pública da União, Lutiana Valadares Fernandes Barbosa. “Então, a conscientização desses direitos é um passo muito importante para que elas possam exercê-los e reivindicá-los”, reforçou.

Segundo Lutiana Barbosa, foi importante a alteração da Lei de Imigração em 2017. “Antes, havia um olhar para a segurança nacional; e hoje, a gente tem um olhar para a proteção dos direitos humanos. E, nesta oportunidade, busquei trazer o que há nessa lei de direitos e princípios para que os Warao levem no coração e carreguem consigo para reivindicar tais direitos com vistas à proteção dos direitos humanos”, destacou a defensora pública.

Em seguida, houve inversão dos temas tratados com os grupos de homens e mulheres.

Cacique Rubem Mata Mata: “Conhecer nossos direitos e os deveres envolvidos neste novo contexto de vida será fundamental”

Também moderadora nas discussões, a defensora pública em atuação na área dos Direitos Humanos da DPMG, Rachel Passos, destacou a relevância do trabalho. “A ideia da educação em direitos aqui hoje é justamente trazer essa consciência de quais direitos eles têm, quais deveres também eles têm para que eles possam – sem sofrer um processo de aculturação – se integrar melhor dentro da sociedade brasileira, do estado, dentro do município aos quais eles estão”, afirmou. “Essa comunidade veio para vários estados brasileiros e a gente sabe das diferenças regionais do Brasil”, completou.

Segundo Rachel Passos, o trabalho é muito desafiador, ao buscar uma forma de levar aos Warao uma consciência de como é a educação em direitos e de quais são os direitos deles a partir das convenções internacionais, da Constituição, das leis federais, das leis estaduais e das leis municipais, com acesso à saúde, para que eles se sintam mais cidadãos brasileiros. A questão da língua também é um obstáculo a mais.

“Hoje é o início de uma caminhada que a gente pretende mostrar para os Warao que estão dentro do município de Belo Horizonte e do Estado de Minas Gerais o que eles podem ter de expectativa em relação ao poder público, dentro de um ambiente democrático e de governança. A gente tenta passar, de forma simples e clara, que eles precisam ter também voz e participação e saibam também ouvir para que sejam integrados dentro de uma sociedade democrática”, ponderou a defensora pública Rachel Passos.

Entretenimento para as crianças  

Enquanto pais e mães Warao discutiam temas de relevância, as crianças da comunidade participaram de uma ação de entretenimento promovida pelo projeto social Liga da Justiça. No local onde funciona a Sala de Atendimento da DPMG, atividades com papel, lápis de cor e de cera, balões e as tradicionais “massinhas” foram responsáveis por entreter as crianças com o auxílio de monitores fantasiados de Branca de Neve e Chapolim Colorado. Na ação, foram entregues 20 cestas básicas e 60 caixas de bombom que foram doadas às crianças e suas famílias.

Há três anos no Brasil e nos últimos seis meses vivendo na Vila Pinho – região do Barreiro –, o cacique Rubem Mata Mata foi um dos membros da comunidade mais participantes na roda de conversa. O líder dos Warao não poupou elogios à iniciativa “Foi muito bom participar desse evento. Conhecer nossos direitos e os deveres envolvidos neste novo contexto de vida será fundamental para os membros da comunidade Warao aqui no Brasil”, avaliou.                         

Já há 11 anos vivendo no Brasil, a tradutora e também liderança da comunidade Warao em Minas Gerais, Yolis Lyon, também avaliou de forma positiva a iniciativa. “A partir desse tipo de atividade educativa que a gente vai conseguir conscientizar tanto as mulheres como os homens para não serem vítimas e vitimários de violência doméstica e de outros tipos de violências. Espera-se que essa seja a primeira de muitas rodas de conversa para que aprendamos junto às Defensorias sobre direitos e deveres e sobre a importância de respeitarmos a Constituição Federal do Brasil”, disse a tradutora.

     

As crianças indígenas ficaram em um salão para atividades de recreação

Futuras rodas de conversa

Segundo a defensora pública Samantha Vilarinho, esses foram apenas os primeiros passos dados. “Nosso trabalho tem grande importância, em primeiro lugar, por abrir as portas da Defensoria para essa população, para essa comunidade. É muito importante que as pessoas conheçam a Instituição, fisicamente mesmo. Onde é o prédio, como funciona, quais matérias as Defensorias Públicas trabalham, bem como os serviços que oferecemos”.

Samantha Vilarinho antecipou os próximos passos. “A gente já tem um combinado com o grupo que organiza as matérias, cujo os temas são selecionados pelos próprios indígenas e levados à liderança da comunidade Warao. Para os próximos encontros, ficou definido que falaremos de direitos e deveres das crianças e adolescentes e também direitos trabalhistas, algo que afeta muito o dia a dia deles e delas no Brasil”, conclui.

Comunidade Warao, que migrou para BH: nome significa “povo da água”

Comunidade Warao                                                      

A Comunidade Tradicional Indígena Warao é originária do Delta do Orinoco, na Venezuela, e o nome significa “povo da água”. Estes imigrantes estão no Brasil desde 2014 e, em Minas Gerais, desde 2017, em decorrência da crise política e econômica no país de origem. A ACNUR estimou, em 2019, cerca de 49 mil Warao computados em situação de trânsito, migração e refúgio. Destes, cerca de 800 vivem em Minas Gerais, sendo metade na capital mineira.

A DPMG, ante ao alto grau de vulnerabilidade da população Warao, presta atendimento desde então ao grupo, com apoio nos documentos internacionais ratificados pelo Brasil e nas normas nacionais de amparo aos refugiados e das comunidades tradicionais indígenas, buscando a garantia de acesso à cidadania por parte dessa população, como por exemplo, por meio da promoção de eventos educativos para informá-los sobre seus direitos. 

Jacques Leal – Jornalista/DPMG

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