A Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) emitiu recomendação à Fundação Clóvis Salgado e à Secretaria de Estado de Cultura e Turismo para que seja revisto edital de processo seletivo de estudantes para cursos da Escola de Dança, de Música e de Teatro, especificamente, em relação à oferta de vagas para o Curso de Básico de Música, que impõe diversos limites de idade para o ingresso de estudantes quanto a certas habilidades e instrumentos ofertados.
O edital oferece 153 vagas ao todo, que estão distribuídas entre quatro cursos distintos. O Curso Básico de Música conta com um total de 67 vagas. Dessas, apenas 12 são abertas para candidatos com idade acima de 30, 35 ou 40 anos.
A Fundação Clóvis Salgado, ao ser procurada sobre o assunto, afirmou que a “delimitação das faixas etárias” segue “fatores pedagógicos, sociais e estruturais com a garantia de melhor experiência de aprendizagem para todos”.
Na recomendação, ao elencar princípios constitucionais, a Defensoria Pública de Minas Gerais, por meio de sua Coordenadoria Estratégica de Tutela Coletiva (CETUC), argumenta que as restrições etárias impostas no edital para acesso a diversas modalidades e instrumentos do curso básico de música caminham na direção contrária daquela projetada e pretendida pela Constituição Cidadã.
“Ao invés de assegurar uma educação plural e diversa, por meio da própria composição do corpo discente com trajetórias e etapas múltiplas de vida, as cláusulas aprofundam a marginalização, fechando as portas para o ensino de adultos com idade mais avançada, com impacto especialmente negativo sobre as pessoas idosas”, afirma o coordenador estadual de Tutela Coletiva da DPMG, defensor público Paulo Cesar Azevedo de Almeida, que assina recomendação.
O curso básico pretende oferecer aos alunos a habilitação necessária para apresentações e performances musicais, inclusive a título profissional. Diante disso, o defensor aponta a postura como discriminatória. “O edital, da forma como publicado, reforça a equivocada ideia de que essa parcela da população não goza (ou está gradativamente privada) de habilidades ou potencialidades suficientes para aprender e desenvolver novos projetos”, diz o defensor público.
Amparado em estudos da Organização Mundial de Saúde (OMS), Paulo Cesar Almeida alerta para o idadismo (ou etarismo) institucional, que remete a leis, normas sociais, políticas públicas e práticas institucionais que restringem injustamente as oportunidades e prejudicam de forma sistemática indivíduos com base na idade. Menciona, ainda, pesquisas científicas que apontam para os efeitos positivos que a formação musical tem para adultos e idosos, especialmente por garantirem experiências sensoriais e chances de convivência social e comunitária.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, consolidada no Tema 646 das Teses de Repercussão Geral, foi outro ponto mencionado pelo defensor público, já que a previsão de limite de idade para inscrição em um concurso público apenas é considerada válida quando essa restrição etária for justificada pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.
Apesar de a questão não versar sobre a seleção de servidores públicos, mas se tratar da escolha de candidatos para frequentarem cursos de formação em música (canto erudito e instrumentos variados), a Defensoria Pública entende que o mesmo raciocínio deve prevalecer como regra geral, tendo em vista que a Constituição Federal tem a proibição de discriminação e a igualdade perante a lei e a administração pública como princípios e garantias fundamentais.
A DPMG defende, ainda, que essas oportunidades de estudo devem ser ofertadas a todas e todos, sem fatores de exclusão em razão da idade, uma vez que a Constituição Federal assegura o “direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida”.
“Tais atividades dos cursos ofertados podem ser alvo das pretensões e anseios de indivíduos de todas as idades e, sendo assim, as concepções pedagógicas, a princípio, deveriam ser inclusivas, a fim de permitir que os projetos de adolescentes, pessoas jovens, adultas ou idosas, pudessem contar com o apoio do Estado, por meio de iniciativas educacionais como essas ofertadas pela Fundação Clóvis Salgado”, argumenta Paulo Cesar.
Diante disso, a DPMG recomendou que o edital seja revisto para a retirada das restrições de idade impostas e que seja publicado novamente, com a reabertura do prazo de inscrições.
Clique aqui para ler a recomendação.
Alessandra Amaral – Jornalista DPMG.