Instituições de Justiça recorrem de decisão que reduziu pela metade valor do auxílio financeiro emergencial para atingidos pelo desastre de Mariana

Por Assessoria de Comunicação em 17 de março de 2021

Decisão recorrida também prevê a substituição, para pescadores e agricultores de subsistência, do pagamento do AFE pelos chamados “Kit Proteína” e “Kit Alimentação”

As instituições de Justiça que atuam no caso Samarco – Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG), Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPE-ES), Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) – recorreram da decisão da 12ª Vara Federal que determinou a substituição do pagamento do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) por “kit de proteína” e “kit de alimentação” aos pescadores e agricultores de subsistência atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão.

Lembrando que, passados mais de cinco anos do desastre, essas categorias ainda não receberam da Fundação Renova nenhuma medida estruturante para contribuir, fomentar ou auxiliá-las a restabelecerem suas fontes de renda e subsistência, em um cenário que se tornou ainda mais dramático com a irrupção da pandemia da Covid-19. O recurso diz que, em 29 de junho do ano passado, elas foram surpreendidas com o recebimento de uma carta, enviada pela fundação, informando-as sobre a cessação do pagamento dos auxílios financeiros emergenciais a partir do mês de agosto seguinte.

Diante da notícia, as instituições de Justiça oficiaram à Renova solicitando maiores informações, mas as respostas limitaram-se a informações parciais, insuficientes e sem qualquer dado concreto. Paralelamente, a Advocacia Geral da União (AGU) requereu perante o Juízo da 12ª Vara Federal a concessão de liminar para impedir o cancelamento dos AFEs. Pediu também que a Renova fosse obrigada a apresentar as razões e fundamentos para o cancelamento dos AFEs.

Ao se manifestar judicialmente, a fundação informou o cancelamento de 7.681 AFEs relacionados a grupos de pessoas cuja atividade econômica ou produtiva não teria, segundo ela, sofrido efetiva limitação decorrente do desastre, e apresentou tabela com o detalhamento das categorias econômicas atingidas pelo corte e respectivos motivos de cancelamento.

O Juízo Federal, então, deferiu a liminar, mantendo o pagamento do AFE aos pescadores e agricultores de subsistência até o final de 2020, mas criando um denominado “regime de transição”.

Por essa inovação, o AFE, tendo seu valor reduzido à metade, deveria ser pago de janeiro a junho de 2021, e, após os seis meses, ser substituído por um benefício que o juiz chamou de “kit proteína”, destinado aos pescadores de subsistência, e de “kit alimentação”, para os agricultores de subsistência. Ambos deverão ser mantidos até que peritos judiciais atestem o retorno das condições ambientais.

As instituições de Justiça argumentam que a lógica de concessão dos tais kits baseou-se, ainda que não explicitamente, em argumento defendido pela Renova de que os atingidos não tiveram perda de renda e que seus danos restringem-se a perdas de fonte alimentícia, contrariando os termos das cláusulas 137 e 138 do Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC), segundo as quais o AFE “tem por fato gerador o comprometimento da renda do atingido em razão da interrupção comprovada de suas atividades produtivas ou econômicas em decorrência do rompimento da barragem de Fundão”.

Posteriormente, após recurso de embargos de declaração opostos contra a decisão, o pagamento do AFE acabou tendo sua duração estendida até dezembro 2021, para que as pessoas atingidas possam atravessar por esse período de pandemia. Mas a substituição do AFE pelos  “kit Proteína” e/ou “kit alimentação” foi mantida, ainda que postergada para data ainda a ser definida.

Mesmo assim, as categorias que o Juízo denominou “de subsistência”, ou seja, os agricultores e pescadores que exercem tais atividades para consumo da própria família, já estão recebendo apenas metade do que recebiam a título de AFE. O recurso pede a reforma da decisão judicial também para a recomposição do valor integral que era pago até dezembro do ano passado.

33 gramas de proteína por dia

No agravo encaminhado ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), os recorrentes chamam a atenção para a insuficiência dos tais kits para o sustento das famílias.

“Imagine-se que um núcleo familiar composto por vezes por sete, oito, ou até maior número de pessoas, terá sua fonte de proteína substituída pela parca quantia mensal de 6 kg. Se pensarmos em uma família com seis integrantes, cada um de seus integrantes terá à sua disposição, para todo o mês, apenas 1 kg (um quilograma) de fonte proteica, o que resulta em uma média diária de minguados 33,33 gramas para o conjunto das refeições de cada dia”, afirma o recurso.

Mas, “para além da evidente insuficiência da quantidade arbitrada judicialmente (sem indicação de um cálculo demonstrável a partir de bases empíricas do consumo alimentício na bacia do Rio Doce), o método de cálculo estabelecido pelo Juízo eleva ao grau máximo as incertezas da população sobre quanto receberá por mês, já que determinou que os valores sejam cotados, a cada mês, a partir de um site privado de preços. E também agrava a insegurança jurídica entre as pessoas e populações atingidas, porque, ao criar um novo sistema de compensação, desconstrói o sistema de governança duramente construído até aqui”, alertam as instituições de Justiça.

Pedidos

O recurso pede que seja cassada a decisão que estabeleceu o regime de transição, impedindo-se a alteração dos valores para os patamares nele previstos. As instituições também pedem que não ocorra redução de valores e que seja restabelecido o pagamento integral do auxílio financeiro a todos os pescadores e pescadoras, agricultores e agricultoras, que foram rotulados pela Fundação Renova como “de subsistência”.

A medida, afirmam os recorrentes, torna-se ainda mais urgente diante do agravamento da pandemia da Covid-19, que resulta na interrupção das atividades profissionais e isolamento físico das pessoas como indispensável medida de proteção e prevenção.

No agravo, as instituições de Justiça também pedem que a Fundação Renova fique proibida de encerrar o pagamento do auxílio financeiro emergencial às pessoas atingidas quando do recebimento de qualquer rubrica referente a pleitos indenizatórios. Busca-se ainda o restabelecimento de todos os pagamentos que eventualmente não tenham sido feitos a partir da decisão judicial recorrida, para que sejam pagas, inclusive retroativamente, eventuais parcelas devidas que se encontrem pendentes.

Atualmente, todos os pescadores e pescadoras, agricultores e agricultoras conceituadas como de “subsistência” pela Fundação Renova tiveram o seu auxílio reduzido pela metade, em que pese não ter havido o restabelecimento do meio ambiente ou a possibilidade de meios alternativos para essas pessoas proverem a sua subsistência.

Assim, para as pessoas atingidas pelo desastre causado pela Samarco, Vale e BHP, o AFE “tem sido a principal (senão única) medida de amparo durante a pandemia, e reduzir o seu valor, no auge do colapso brasileiro, é duríssima medida contra as comunidades atingidas”, afirma o recurso, acrescentando que a sua integral manutenção deve ocorrer “não só pelos fundamentos técnicos apresentados, mas pelos princípios gerais da dignidade da pessoa humana, da boa fé objetiva e da solidariedade”.

Confira aqui a íntegra do agravo.

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